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Evangelhos Apócrifos
O Livro de Melquisedeque
Primeira parte
A História de um Vaso
A História de um Vaso
Capítulo I
Eu estava descansando sob a sombra do Carvalho de
Mambré, junto à tenda, quando vi chegar
apressadamente um dos servos de meu sobrinho Ló. Quase sem fôlego, ele
passou a relatar-me sobre a tragédia: houvera no dia anterior uma batalha entre
as cidades da planície, envolvendo quatro reis contra cinco. Como resultado,
Sodoma fora derrotada e muitos de seus habitantes levados cativos, entre eles o
meu sobrinho Ló. A notícia deixou-me muito aflito, pois ao mesmo tempo em que
sentia que precisaria sair em seu socorro, via-me frágil, sem nenhuma
possibilidade de me sair vitorioso.
Sempre fui um homem pacífico e detesto aqueles que
derramam sangue. Tenho muitos servos, mas poucos sabem manejar espadas e
lanças, pois desde a infância são treinados como pastores. Em lugar de espadas,
eles manejam bordões com os quais conduzem os rebanhos. Em lugar de escudos,
carregam vasos em suas cinturas, sempre cheios de água fresca para matarem sua
sede e refrigerarem as ovelhas cansadas. Em lugar de vinho para se embebedarem,
carregam presos em seus cintos pequenas botijas com o azeite das oliveiras, com
os quais untam as feridas do rebanho. Em lugar de ressonantes trombetas eles
sopram pequenos chifres, com os quais convocam o rebanho para o curral.
Imaginando como seria um combate entre os meus servos e
os exércitos daqueles cinco reis vitoriosos, comecei a rir. Enquanto
gargalhava, a voz d’Aquele que sempre me guia, soou aos meus ouvidos, dizendo:
- Abraão, Abraão! Não menosprezes os instrumentos dos pastores, pois
santificados pelo fogo do sacrifício, haverão de conquistar o grande
livramento.
O Eterno passou a dar-me ordens, fazendo-me avançar pela
fé, sem saber como tal livramento haveria de se realizar. O primeiro passo foi
a convocação de todos os pastores que, deixando seus rebanhos, dirigiram-se ao
Carvalho de Mambré, trazendo seus instrumentos pastoris. Eram ao todo 600
pastores. Ordenei que eles esvaziassem os jarros, colocando neles o azeite da
botija. Depois de cumprirem esta ordem,
pedi que tomassem cada um a lã de uma ovelha, misturando-a com o azeite dos
jarros.
Depois de transmitir todas as ordens aos pastores, o
Eterno falou-me:
- Toma agora o teu vaso, o teu único vaso, e traga-mo a mim para que eu te
mostre o que deves fazer”.
Tínhamos na tenda três jarros adquiridos na cidade de
Harã; Nos dois menores, guardávamos o azeite para as lâmpadas, e no terceiro
que era o maior e mais bonito, guardávamos pérolas e pedras preciosas, jóias
reunidas por Sara ao longo de nossas peregrinações. Julgando ser o terceiro
jarro o escolhido, estendi as mãos para tomá-lo, mas o Senhor impediu-me de
fazê-lo, afirmando que, ainda que ele fosse portado de riquezas que seriam
essenciais para o livramento, Ele escolhera um jarro especial – aquele que fora
rejeitado e esquecido. Lembrei-me do grande jarro de barro que nos fora
presenteado por um humilde oleiro, quando estávamos próximos de Canaã. Nós o
pusemos inicialmente ao lado dos três, e nele colocamos os primeiros frutos
colhidos na terra prometida. Não havendo, contudo, nenhuma beleza nele, Sara o
rejeitou, lançando-o para fora da tenda. Sete anos depois, o oleiro visitou-nos
e, ao encontrá-lo abandonado junto à tenda, mostrou-nos uma maneira em que ele
poderia ser útil. Amarrando-o firmemente com uma corda de linho, lançou-o ao
fundo do poço; por meio dele, os pastores passaram a tirar água para os
rebanhos.
Seguindo as orientações do Eterno, dirigi-me ao poço,
fazendo emergir de suas profundezas o jarro esquecido; Ao vê-lo repleto de
água, lembrei-me do momento em que ele fora lançado ali, vazio e seco. Depois
de esvaziá-lo, o Eterno ordenou-me transferir para ele o azeite dos dois jarros
menores bem como as jóias do terceiro. Como sobrara muito espaço vazio no
jarro, o Eterno ordenou completá-lo com azeite novo de oliva. Ao concluir essa
tarefa, o Senhor mandou-me fazer um longo pavio de lã, devendo ficar uma de
suas pontas mergulhada no azeite e a outra suspensa sobre o vaso.
Depois destas coisas, o Eterno ordenou-me a acender o
pavio com o fogo do altar. Ao aproximar-me do fogo sagrado que ainda ardia
sobre o sacrifício da manhã, uma pequena fagulha saltou para o pavio, e pouco a
pouco foi-se alimentando do azeite, até tornar-se numa labareda que podia ser
vista de longe.
Capítulo II
Com o vaso nos ombros, comecei uma longa caminhada rumo
às cidades da planície, sendo acompanhado pelos pastores. Logo começaram a
surgir escarnecedores que, ao verem-me com aquele vaso incandescente em pleno
dia, passaram a dizer que eu ficara louco. Ao espalhar esta notícia, muitos
vieram ao meu encontro, aconselhando-me a retornar para a tenda, abandonando
aquele jarro que seria capaz de destruir a boa reputação que eu havia
conquistado entre eles. Quando eu lhes falei sobre os exércitos e sobre minha
missão juntamente com os pastores, eles concluíram que de fato eu ficara louco.
Tentaram tirar-me o vaso pela força, mas, agarrando-me a ele, impedi que o
tirassem de mim.
Envergonhados diante de tudo aquilo, muitos pastores
começaram a afastar-se: alguns retornaram para suas tendas, enquanto outros,
uniram-se àqueles que riam de meu comportamento estranho. Sentindo-me sozinho
com aquele pesado vaso sobre os ombros, comecei a angustiar-me. Ansiava
encontrar alguém com quem pudesse compartilhar minha experiência, mas todos
lançavam-me olhares de reprovação. Lembrei-me de Sara, minha amada esposa. Em
obediência à voz do Eterno, havíamos trilhado por muitos caminhos, estando ela
sempre ao meu lado, animando-me a prosseguir mesmo nos momentos mais difíceis.
Com certeza Sara me traria consolo e forças para continuar firme, conduzindo o
jarro da salvação. Enquanto avançava pelo caminho pensando em Sara, ela surgiu
no meio da multidão. Ao dirigir-me a ela, fiquei surpreso e desalentado ao
notar em seus olhos o mesmo menosprezo daqueles que zombavam de mim.
Lembrando-me da ordem do Criador de que teria de libertar
meu sobrinho Ló, fui andando sozinho pelo caminho. Ao colocar-me no lugar
daqueles que me achavam louco, eu dava-lhes razão, pois, em condições normais,
nenhuma pessoa sai de casa, sem rumo definido, levando em pleno dia um vaso com
uma labareda, afirmando estar marchando contra o exércitos de cinco reis.
Realmente parecia se tratar de uma grande loucura. Mesmo assim, a despeito de
todas as humilhações e palavras contra mim, eu avançava rumo ao vale. Toda
aquela zombaria foi finalmente diminuindo à medida em que me distanciava do
Carvalho de Mambré.
Começaram a sobrevir ao meu coração muitas dúvidas
quanto ao meu futuro. Ficava às vezes aflito com o pensamento de que toda a
minha experiência, desde a convocação dos pastores até aquele momento, poderia
ser, de fato, demonstração de insanidade. Cheio de dúvidas, comecei a pensar na
possibilidade de abandonar à beira do caminho o jarro, retornando para a tenda.
Esses eram os conselhos de alguns pastores e amigos que, condoídos de minha
solidão, ainda vinham ao meu encontro, aconselhando-me a retornar. Ali, diziam,
eu poderia conquistar novamente a confiança dos pastores, voltando a ser, quem
sabe, até mesmo um sacerdote honrado como antes. Sobre o altar, diziam, havia
um fogo muito maior do que aquele que eu carregava sobre os ombros. Estava a
ponto de retornar, quando Sara veio ao meu encontro, contando-me sobre o
desprezo que muitos pastores lançavam contra mim. Ela estava consternada, pois
toda aquela desonra recaía também sobre ela, ao ponto de não sentir mais desejo
de permanecer junto ao altar.
Depois de alertar-me, Sara passou a falar-me de um
plano: poderíamos, quem sabe, nos mudar para uma cidade distante, onde
esqueceríamos todo aquele vexame. Esquecendo-me da voz que me mandara seguir
rumo à planície, respondi que eu estaria disposto a acompanhá-la para qualquer
lugar, se ela permitisse que eu levasse aquele jarro; Ele seria o nosso altar,
aquecendo e iluminando nossas noites com sua chama. Ao ouvir sobre o vaso, Sara
ficou novamente irada, afirmando não entender minha teimosia em continuar
levando sobre os ombros aquele símbolo de vergonha e desprezo. Depois de
dizer-me tais palavras, voltou-me as costas, retornando para a tenda.
Capítulo III
Angustiado por não poder agradar Sara, prossegui rumo ao
futuro incerto, sendo orientado unicamente pela chama, cujo brilho aumentava à
medida em que as trevas adensavam-se. Comecei a meditar sobre aquele fogo que
me acompanhava com seu brilho e calor. Eu estava acostumado a ver o Fogo
Sagrado entronizado sobre o altar de pedras, em meio aos louvores de muitos
pastores, entre os quais me destacava como mestre e sacerdote. Naqueles
momentos de adoração, eu me vestia com os melhores mantos, e fazia questão de
realizar o sacrifício somente quando todos os meus servos estivessem reunidos
ao meu redor, para que ouvissem meus conselhos e advertências. Na hora do
sacrifício, eu erguia minha espada desembainhada e, com palavras
amedrontadoras, proclamava a grandeza do Senhor dos Exércitos, o Deus Todo
Poderoso que domina sobre os Céus e a Terra. Vibrando a espada num movimento
ameaçador, eu representava diante de meus pastores a imagem de um Deus severo,
que está sempre pronto a revidar qualquer afronta. Depois dessa demonstração de
soberania e poder, eu tomava uma ovelha das mãos de um pastor, e a amarrava
sobre o altar. Para que ficasse patente a ira divina, eu pisava sobre o seu
pescoço, golpeando-a severamente, até vê-la perecer. Depois eu descia do altar
e ficava esperando pelo Fogo Sagrado que jamais deixou de manifestar-se sobre o
sacrifício.
Eu aprendera desde a infância a reverenciar o Fogo
Sagrado, crendo ser ele uma revelação visível do Eterno, o Grande Deus
Invisível. Até então, eu o vira como um Fogo Único e Indivisível. Agora, ao
transportar em humilde jarro a chama que se desprendera do Altar, meus
pensamentos agitavam-se com o surgimento de um novo conceito sobre o Criador: o
conceito de um Deus Sofredor que é capaz de desprender-se do grande Ser
representado pelo Fogo, para acompanhar o pecador em sua jornada.
Arrependido, prostrei-me diante do jarro e chorei
amargamente. Estava consciente de que todo o zelo demonstrado junto ao Altar,
tinha por finalidade a exaltação de meu orgulho, e não do amor daquele que me
acompanhava pelo caminho. Subitamente, gravou-se-me na mente a convicção de que
aquela pequena chama que se desprendera do Fogo Sagrado, era uma representação
do Messias prometido, que Se desprenderia do Eterno para ser Deus Conosco,
companheiro em todas as nossas jornadas. Ao sobrevir-me esta convicção, a chama
alegrou-se, tornando-se mais brilhante e calorosa. Com o coração transformado,
prossegui pelo caminho rumo ao vale, levando sobre os ombros o jarro que me
trouxera depois de tanto desprezo, a alegria de uma nova compreensão sobre o
caráter do Criador.
Momentos difíceis começaram a surgir em minha caminhada,
quando ventos frios vindos do Mar Morto começaram a arremeter-se contra a
pequena chama, procurando apagá-la. Eu a amparava com o meu corpo, andando
muitas vezes de lado e mesmo de costas, mas sempre avançando rumo ao vale. Ao
romper a luz do dia, achei-me a um passo da planície. Comecei então a encontrar
pelo caminho muitos rebanhos que eram conduzidos por rudes pastores. À medida
em que avançava entre eles, ocorriam tumultos e confusões, pois muitas ovelhas
e cabras assustavam-se com a chama de meu jarro, debandando-se por todas as
partes. Isto fez com que a maioria dos pastores ficassem irritados com a minha
presença em seu meio. Sabendo que não poderia ficar retido naquele vale,
prossegui rumo a Sodoma.
Enquanto avançava, começou a acontecer algo
interessante: muitas ovelhas, meigas e submissas, começaram a acompanhar-me.
Eram poucas a princípio, mas pouco a pouco seu número foi aumentando, até que
passei a andar com dificuldade, devido ao grande número de ovelhas que me
seguiam. Ao longe eu podia ver os pastores, enfurecidos, pela perda de suas
ovelhas mais bonitas. Ao chegar à cidade de Sodoma, encontrei-a vazia e
devastada. Seguindo os rastros deixados pelos exércitos e pela multidão de
cativos, fui me aproximando cada vez mais do alvo de minha missão. Ao chegar à
campina de Dã, pude avistar ao longe o grande acampamento dos soldados, ao pé
de um outeiro. Sem pressa, encaminhei-me para lá, conduzindo o meu novo
rebanho. Do alto do monte, pude observar o acampamento em toda a sua extensão.
Havia ali milhares de soldados comemorando a vitória. Enquanto isso, centenas
de cativos jaziam amontoados no meio do arraial, humilhados e sem esperança.
Diante desse quadro, fiquei imaginando como poderia se dar o livramento.
Minha presença despertou curiosidade em alguns soldados
que, ao ver-me com o vaso fumegante, aproximaram-se. Quando me perguntaram
sobre o motivo de minha presença naquele lugar, eu disse-lhes que viera
libertar meu sobrinho Ló. Minhas palavras tornaram-se motivo de muitos gracejos
em todo o acampamento. Depois disso, passaram a escarnecer de Ló. Em pouco
tempo, toda aquela zombaria transformou-se em gritos de vingança, e proclamaram
que, na manhã seguinte, todos os cativos seriam exterminados, começando pelo
meu sobrinho.
Capítulo IV
Enquanto eu tentava imaginar o que o Eterno poderia
fazer para alcançar o livramento, vi surgir ao longe o vulto de pastores que se
encaminhavam em minha direção, vindos de Sodoma. Pensei a princípio que fossem
os pastores inimigos que vinham arrancar-me o rebanho conquistado com amor. Tal
receio logo desapareceu dando lugar a um sentimento de muita alegria, quando
descobri que eram os meus pastores fiéis. Ele foram aproximando-se em pequenos
grupos de doze, até alcançarem o total de 300 pastores. Ao olhar para eles,
pude notar em seus semblantes os sinais de uma grande luta espiritual que
tiveram de enfrentar, para estarem do meu lado. Contaram-me da experiência de
muitos companheiros que, desanimados, haviam lançado fora o azeite e a lã de
seus vasos, retornando para as suas tendas. Falaram-me de como, na noite
anterior, haviam aprendido a amar a luz de meu jarro, que para eles tornara-se
como uma estrela que os guiava na escuridão.
Alegrava-me com a presença de meus humildes pastores,
quando vieram em nossa direção Aner, Escol e Manre, acompanhados por 15 homens
armados; Eram eles fiéis amigos que, conhecendo os perigos que enfrentaríamos
naquele vale, vieram socorrer-nos. Para que não atrapalhassem o plano divino,
pedi-lhes que permanecessem escondidos até o alvorecer, quando receberiam
orientações sobre como participar da missão. Comecei a orientar os pastores,
seguindo as instruções da voz divina que soava de dentro da chama: A primeira
tarefa dos pastores seria cuidar do rebanho até o anoitecer. Ao retornarem,
ordenei que amarrassem os novelos de lã embebidos em azeite na ponta de seus
bordões, colocando-os dentro dos jarros que deveriam ser mantidos suspensos de
boca para baixo. Passei a incendiá-los com o fogo de minha labareda, até que as
trezentas tochas ficaram ardendo, mas, ocultas no interior daqueles vasos.
Ordenei a quarenta de meus corajosos pastores que, no
momento indicado por um sinal, deveriam avançar silentes para o meio do
acampamento, circundando todos os cativos que jaziam amontoados no meio do
arraial. Ao mesmo tempo, os 260 pastores restantes deveriam circundar todo o
acampamento, aguardando pelo sinal de quebrarem os vasos com os chifres.
Orientado pela voz da chama, indiquei-lhes os sinais: quando a última tocha se
apagasse no acampamento, deveriam ficar atentos, pois uma pequena lamparina
seria acesa por um dos cativos. Assim que a lamparina começasse a arder,
deveriam correr cada um para o seu lugar, evitando qualquer ruído para que não
fossem notados. O sinal para quebrarem os vasos com os chifres, erguendo bem
alto a tocha, era o apagar da lamparina.
Depois dessas orientações, os 260 pastores, ocultos
pelas sombras da noite, espalharam-se pelo vale, e ficaram esperando pelo
momento de se posicionarem ao redor do acampamento. Enquanto isso, os 40 se
posicionaram próximos a uma passagem vulnerável, através da qual haveriam de
alcançar os cativos. Já era alta noite quando a tocha do último soldado
apagou-se, sobrevindo completa escuridão e silêncio sobre o arraial. Entre os
cativos, havia um homem que naquela noite vivia a maior angústia de sua vida.
Era o meu sobrinho que, depois de tornar-se alvo de tantos abusos e
humilhações, tomara conhecimento do castigo que os aguardava pelo alvorecer.
Naquela noite, Ló tinha seus pensamentos voltados para o seu tio. Lembrava-se
com arrependimento do momento em que me deixara, mudando-se para as campinas de
Sodoma. Em seu desespero, sentiu desejo de rever minha face e pedir-me perdão
por ter-se afastado de mim. Justamente naquele momento, Ló foi atraído pelo
brilho de uma tocha que ardia sobre o outeiro. Ao fitar o brilho, imaginou
estar tendo uma visão, pois o mesmo revelava-lhe a face de seu querido tio.
Querendo mostrar-me o seu rosto, Ló apalpou em meio às trevas, até encontrar
uma pequena lamparina que trouxera em seu alforje. Frustrado, percebeu que não
havia nela nenhum azeite. Concluiu que a lâmpada apagada e seca era um símbolo
de sua vida vazia e sem fé. Sem desviar os olhos de meu rosto iluminado pela
chama do jarro, num desesperado gesto de fé, Ló apalpou o pavio de sua
lamparina, descobrindo nele um resto de azeite. Curvando-se, passou a ferir as
pedras do fogo, até que uma faísca saltou para o pavio. Sem que soubesse, Ló
estava comandando, com seus gestos, os passos para um grande livramento.
Os trezentos pastores ao verem o tênue brilho da
lamparina, encaminharam-se rapidamente para os seus postos e ficaram aguardando
o apagar da pequena chama. Desde o momento em que Ló erguera-se com sua
diminuta chama, fiquei olhando para os seus olhos que fitavam os meus. Vi que
sua face trazia sinais de indizível angústia e maus tratos. Mesmo assim pude
ler em seus olhos que a esperança e a fé ainda não o haviam abandonado.O
foguinho de sua lamparina, contudo, não resistiria por muito tempo. Era
necessário que se apagasse, para sinalizar a grande vitória. Quando a escuridão
voltou a cobrir a face de Ló, meus trezentos pastores arremeteram os chifres
contra os vasos que mantinham ocultas as tochas ardentes. Um forte ruído, como
de cavalaria em combate, ecoou por todas as partes, enquanto as tochas eram
suspensas pelos bordões. Os trezentos chifres, usados até então para conduzir o
rebanho, soavam agora como trombetas de conquistadores.
Todo o acampamento despertou num único salto e, sem
saberem como escapar de tão terrível investida que partia de fora e de dentro,
os soldados começaram a lutar entre si, enquanto meus pastores permaneciam em
seus lugares, fazendo soar os chifres. Os cativos ficaram muito espantados a
princípio, mas pouco a pouco foram tomando consciência do grande livramento que
estava se operando em seu favor. Quando amanheceu, revelou-se aos nossos olhos
um cenário de completa destruição. Todo o arraial estava coberto por milhares
de corpos rasgados pelas próprias espadas e lanças. Somente uns poucos
conseguiram fugir daquele acampamento de morte, mas foram perseguidos pelos
meus 18 aliados que estavam armados, sendo alcançados em Hobá, situada à
esquerda de Damasco. Enquanto isso, os cativos, agora libertos, recuperavam
todas as riquezas que haviam sido saqueadas pelos inimigos.
Capítulo V
Do cimo do outeiro, enquanto eu vibrava com a alegria
dos cativos naquela manhã de liberdade, ouvi a voz do Eterno falando-me do meio
da chama:
- Este livramento que hoje se concretiza, representa o livramento que hei
de operar nos últimos dias, salvando os remanescentes de teus filhos, do cerco
de numerosas nações que se aliarão a Gog com o propósito de destruí-los.
Naquele dia em que triunfarem sobre o meu povo, a minha indignação será mui
grande, e contenderei com ele por meio da peste, do fogo e do sangue; chuva
inundante, grandes pedras de saraiva, fogo e enxofre farei cair sobre ele,
sobre as suas tropas e sobre os muitos povos que estiverem com ele. Assim, eu
me engrandecerei, vindicarei a minha santidade e me darei a conhecer aos olhos
de muitas nações; e saberão que eu sou o Senhor. E sobre a casa de Davi e sobre
os habitantes de Jerusalém derramarei o Espírito de Graça e de Súplicas;
olharão para Mim a quem traspassaram, prantear-me-ão como quem pranteia por um
unigênito e chorarão por mim como se chora amargamente pelo primogênito.
Naquele dia, haverá uma fonte aberta para a casa de Davi e para os habitantes
de Jerusalém, para remover o pecado e a impureza.(1).
A chama que para mim tornara-se uma representação do
Messias prometido, apagou-se no momento em que desci ao encontro dos pastores e
dos muitos cativos agora libertos. Cheios de alegria e de admiração, todos
queriam saber como tornara possível tão grande livramento, somente com a
utilização daquelas tochas e chifres. Falei-lhes da importância daquele fogo
que se desprendera do Altar, para libertá-los naquele vale, identificando-o com
o Messias Salvador. Ao ver que todos carregavam em seus corpos e mantos a
sujeira da escravidão, convidei-os a seguirem-me até o rio Jordão, onde
poderiam banhar-se para purificação de seus pecados, pois aquele era o Yom
Kipur, o dia do perdão. Somente três pessoas atenderam ao convite: Ló e suas duas
filhas mais novas. Os demais retornaram contaminados para suas casas.
Antes de partir, o rei de Sodoma veio ao meu encontro,
prometendo dar-me todas as riquezas recuperadas naquela manhã. Eu recusei sua
oferta, para que jamais alguém possa dizer que eu me enriqueci com aquele
saque. Permanecemos acampados às margens do rio Jordão, nas proximidades de
Jerico por quatro dias. Naqueles dias de descanso, todos ficaram livres das
impurezas, deixando-as nas águas do Jordão. Esse era um preparo especial para
nossa subida a Salém, onde comemoraríamos a vitória nos dias de Sukot.
Cheios de alegria, iniciamos uma caminhada ascendente
rumo à cidade de Salém, inconscientes da feliz surpresa que nos aguardava. Eu
seguia à frente tendo ao meu lado Ló e suas duas filhas, e atrás vinham os 300
pastores, conduzindo o grande rebanho. À medida em que avançávamos, comecei a
notar que o meu jarro tornara-se muito pesado. Ao baixá-lo, fiquei surpreso ao
descobrir que estava repleto de pérolas e pedras preciosas de variados tamanhos
e brilhos. Ao avistarmos ao longe a alva cidade, começamos a ouvir sons de uma
grande festa. Acordes harmoniosos repercutiam pelos montes, enquanto
avançávamos pelo caminho. Minha curiosidade em conhecer aquela cidade e o seu
jovem rei era imensa, pois muito já ouvira sobre sua grandeza e fama.
Tratava-se de um reino diferente, onde os súditos eram treinados não no manejo
de arcos e flechas, mas no domínio de instrumentos musicais. Melquisedeque, o
seu jovem rei, regia a todos com um cetro muito especial: um alaúde, pelo qual
pagara um preço elevado.
Enquanto crescia em mim a alegria por estar nos
aproximando da cidade do grande Rei, vimos uma multidão vestida de linho fino,
puro e resplandecente, saindo ao nosso encontro. Todos tangiam instrumentos
musicais e cantavam um hino de vitória. À frente da multidão vinha um jovem
tocando um alaúde, trazendo na fronte uma coroa repleta de pedras preciosas,
que brilhavam sob a claridade do sol poente. Eu tive a certeza de que aquele
era o tão aclamado rei de Salém.
Ao nos encontrarmos, ficamos surpresos com a saudação
que nos fizeram. Inclinando-se diante de mim, Melquisedeque afirmou:
- Bendito és tu Abraão, servo do Deus Altíssimo, que possui os Céus e a
Terra; e bendito seja o Deus Altíssimo, que entregou os teus adversários nas
tuas mãos (2).
Capítulo VI
Surpresos pela festiva recepção, fomos introduzidos na
cidade, onde a beleza das mansões e jardins nos causou muita admiração. Tudo
ali era puro e cheio de paz. Salém estava em festa, pois teria início naquele
entardecer a festa de Sukot. Fomos recebidos no palácio real, edificado sobre o
monte Sião. Ali, uma nova surpresa nos aguardava: a grande sala do trono estava
toda adornada com representações de nossa vitória sobre os inimigos. Havia no
centro uma mesa muito comprida, coberta por toalhas de linho fino adornadas com
fios de ouro e pedras preciosas. Sobre a mesa estavam 304 coroas, cada uma
trazendo a inscrição do nome de um vencedor. Num gesto que novamente nos
surpreendeu, Melquisedeque, tomando as coroas, começou a colocá-las na cabeça
de cada um de nós, começando por Ló e suas filhas. Estávamos todos admirados
pelo fato do rei de Salém conhecer-nos individualmente, e por Ter preparado
aquelas coroas muito antes de sermos vencedores. Eu observava a alegria de meus
companheiros coroados quando, tomando uma coroa semelhante à sua, o rei de
Salém dirigiu-se a mim com um sorriso. Ao levantá-la sobre minha cabeça, notei
algo que até então não havia percebido: suas mãos traziam cicatrizes de
profundos ferimentos. Vencido por um sentimento de gratidão, prostrei-me aos
seus pés e, comovido, beijei suas bondosas mãos, banhando-as com minhas
lágrimas.
Ao levantar-me, perguntei-lhe o significado daquelas
cicatrizes. Com um meigo sorriso, ele prometeu contar-me a história daquele
próspero reino, e do quanto lhe custara a sua paz.
Depois de coroar-nos, Melquisedeque nos fez assentar ao
redor da grande mesa, e passou a servir-nos pão e vinho. A partir daquele
momento, passamos a honrá-lo como sacerdote do Deus Altíssimo. Num gesto de
gratidão, tomei o jarro que se enchera de pérolas e o coloquei aos pés do rei.
Tomando-o nos braços, ele passou a acariciá-lo sem atentar para o brilho das
jóias. Expressando gratidão por aquela oferta, ele disse-me que aceitaria o jarro;
Quanto às pérolas e pedras preciosas, ele aceitaria somente o dízimo delas.
Imediatamente passei a contar as jóias, separando as mais belas para o rei.
Havia um total de 1440, das quais lhe entreguei 144. Ele as guardou
cuidadosamente em uma caixinha de ouro puro, em cuja tampa havia lindos adornos
marchetados de pedras preciosas. Depois de receber o dízimo que simbolizava o
grande livramento operado por Deus na planície, Melquisedeque chamou para junto
de si um de seus súditos que era mestre em adornos e pinturas, ordenando-lhe
embelezar o jarro com uma linda gravura que retratasse o momento em que eu o
ofertei. Enquanto o jarro era pintado, Melquisedeque passou a contar-me a
história de seu reino, desde sua fundação até aquele momento em que estávamos
comemorando a grande vitória sobre os inimigos.
Ao devolver-me o jarro, agora honrado pela mais bela
gravura e inscrições que exaltavam a justiça e o amor, o rei de Salém
ordenou-me levá-lo com aquelas jóias. Durante seis anos eu e meus pastores
deveríamos contar para todos a história daquele jarro que transportara a chama
vitoriosa do altar. A todos aqueles que, com arrependimento, aceitassem a
salvação representada por sua história, deveríamos oferecer uma pedra preciosa
ou pérola. Ao fim dos seis anos, as jóias acabariam. Já não haveria
oportunidade de salvação. Sobreviria então o sétimo ano, no qual haveria um
tempo de grande angústia e destruição, quando somente existiria proteção para
aqueles que possuíssem as jóias. Por essa ocasião, as cidades da planície
seriam totalmente destruídas pelo fogo do juízo, e os demais povos
impenitentes, seriam dizimados por terríveis pragas.
Capítulo VII
Depois de revelar-nos sobre os sete anos que ainda
restavam, dentro dos quais teríamos uma missão importante a cumprir,
Melquisedeque nos afirmou que nossa experiência consistia numa parábola que
representa a história universal, com ênfase no livramento dos filhos de Israel
nos últimos dias. Ele o previu com as seguintes palavras:
- Ao chegar a plenitude dos tempos, todos os esforços humanos em busca da
paz se frustrarão. Naquele tempo, numerosas nações se aliarão contra o reino de
Jerusalém, e sobrevirá um tempo de angústia qual nunca houve para os filhos de
Israel. Depois de um terrível conflito, verão numerosos exércitos invadindo sua
terra, numa aparente vitória. No momento mais difícil, quando as suas forças
estiverem esgotadas, o Eterno intervirá em Seu favor, lançando por terra os
numerosos inimigos.(3)
- Toda a humanidade testemunhará, com espanto as cenas de livramento.
Naquele dia, muitos povos e poderosas nações se posicionarão ao lado do Senhor
dos Exércitos. Naquele dia acabará a cegueira dos filhos de Jacó, e olharão
para Aquele a quem traspassaram, e chorarão amargamente por ele como se chora
por um filho unigênito. Naquele dia os eleitos de Deus compreenderão as
palavras do Livro:
- Ouvi-me, vós, que estais à procura da justiça, vós que buscais o Eterno.
Olhai para a rocha da qual fostes cavados, para a caverna da qual fostes
tirados. Olhai para Abraão, vosso pai, e para Sara, aquela que vos deu a luz.
Ele estava só quando o chamei, mas eu o abençoei e o multipliquei. O Senhor
consolou a Sião, consolou todas as suas ruínas; ele transformará o seu deserto
em um Éden e as suas estepes em um jardim. Nela encontrarão gozo e alegria,
cânticos de ações de graças e som de música.(4)
- Naquele dia os habitantes de Jerusalém trocarão suas armas por
instrumentos musicais e os remidos, consolados pela grandiosa revelação de
Deus, com alegria cantarão:
- “Como são belos, sobre os montes, os pés do mensageiro que anuncia a paz,
do que proclama boas novas e anuncia a salvação, do que diz a Sião: O teu Deus
reina! Porque o Eterno consolou o seu povo, ele redimiu Jerusalém. O Senhor
descobriu o seu braço santo aos olhos de todas as nações, e todas as
extremidades da terra viram a salvação do nosso Deus.(5)
- O grande livramento se cumprirá no início de uma nova semana de anos, ao
fim de um ciclo determinado envolvendo dez jubileus. Durante seis anos, toda a
humanidade, iluminada pela maior revelação do amor e da justiça de Deus, terá
oportunidade de romper com o império do pecado, unindo-se aos filhos de Israel
em sua marcha de purificação e restauração do reino da luz. Então acontecerá
que todos os sobreviventes das nações que marcharam contra Jerusalém, subirão,
ano após ano, para prostrar-se diante do Rei e Senhor dos Exércitos, e para
celebrar a festa de Sukot. E acontecerá que aquele das famílias da Terra que
não subir e não vier, haverá contra ele a praga com que o Eterno ferirá as
nações que não subirem para celebrar a festa de Sukot.(6).
- Naqueles anos de oportunidade, soará por todas as partes do mundo o
último convite de misericórdia, num apelo para que todos os pecadores se
arrependam e se unam ao Criador numa eterna aliança .Por todas as partes se
ouvirá o brado divino:
- Observai o direito e praticai a justiça, porque a minha salvação está
prestes a chegar e a minha justiça a manifestar-se. Bem-aventurado o homem que
assim procede, o filho do homem que nisto se firma, que guarda o sábado e não o
profana e que guarda sua mão de praticar o mal. Não diga o estrangeiro que se
entregou ao Senhor: - Naturalmente Deus vai excluir-me do seu povo, nem diga o
eunuco: - Não há dúvida, eu não passo de uma árvore seca. Pois assim diz o Senhor
aos eunucos que guardam os meus sábados e optam por aquilo que é a minha
vontade, permanecendo fiéis à minha aliança: Hei de dar-lhes, na minha casa e
dentro dos meus muros, um monumento e um nome mais precioso do que teriam com
filhos e filhas; hei de dar-lhes um eterno nome, que não será extirpado. E,
quanto aos estrangeiros que se entregarem ao Senhor para servi-lo, sim, para
amar o nome do Eterno e tornarem-se servos seus, a saber, todos os que se
abstêm de profanar o sábado e que se mantêm fiéis à minha aliança, trá-los-ei
ao meu santo monte e os cobrirei de alegria na minha casa de oração. Os seus
holocaustos e os seus sacrifícios serão bem aceitos no meu altar. Com efeito, a
minha casa será chamada casa de oração para todos os povos.(7)
- Na última semana de anos, os filhos de Belial se aliarão contra os filhos
da Luz, e os acusarão como causadores de toda a desarmonia no mundo. Em
oposição à santificação do sábado que é o sinal da aliança entre Deus e seus
escolhidos, muitas nações imporão outro dia para o culto, não podendo comprar
nem vender todos aqueles que se mantiverem fiéis à aliança do Eterno.(8)
- Ao fim dos seis anos, o rolo se fechará e não haverá mais oportunidade de
salvação. Desprotegidos, os ímpios sofrerão os juízos divinos que se manifestarão
nas sete últimas pragas. Desesperados, muitos correrão de um lado para o outro
em busca da mensagem do rolo, mas não a encontrarão. Durante o sétimo ano, os
escolhidos de Deus passarão por grandes provas, pois serão condenados pelas
nações como os causadores de todo o caos que sobrevirá ao mundo em conseqüência
dos juízos.(9)
- Ao consumarem-se os sete anos, o Messias se manifestará nas nuvens do
céu, acompanhado por todas as hostes celestes, para salvação de seu povo. Ao
tocar Sua trombeta, os fiéis falecidos ressuscitarão revestidos de glória; os
vivos vitoriosos serão transformados num abrir e fechar de olhos, recebendo
corpos perfeitos. Juntos, todos os remidos serão arrebatados para a Nova e
Eterna Jerusalém, numa viagem inesquecível que começará no primeiro dia da
festa de Sukot. Depois de sete dias de feliz ascensão, chegarão à Cidade Santa
para comemorarem, diante do trono ,no oitavo dia da festa, a grande vitória.
Como que a sonhar, os resgatados do Senhor entrarão na Cidade Santa, encontrando
ali o jardim do Éden, no meio do qual eleva-se o monte Sião, o lugar do trono
de Deus. Coroados pelo Messias, os remidos entoarão o cântico da vitória,
fazendo vibrar por todo o espaço os acordes de incontáveis instrumentos
musicais. (10)
Capítulo VIII
Depois de proferir todas essas predições, Melquisedeque
disse-nos novamente que toda a experiência que estávamos vivendo era
prefigurativa, e teríamos de cumprir ainda importantes tarefas nos próximos
sete anos: Durante seis anos a história do jarro deveria ser contada aos
pecadores, dando-lhes a oportunidade de arrependerem-se, apossando-se das jóias
que simbolizam salvação; ao fim dos seis anos, na véspera de Rosh Hashanah as
pérolas acabariam, ficando fora do abrigo todos aqueles que não a receberam.
Ao ouvir tais palavras do rei de Salém, sobreveio-me
grande angústia, por lembrar-me dos últimos passos de Sara. Eu temia que ela,
em sua incredulidade, não aceitasse uma pérola. Se isto acontecesse, os meus
lindos sonhos cairiam por terra, pois não conseguiria ser feliz em sua
ausência. Lendo nos meus olhos a angústia, Melquisedeque consolou-me com uma
promessa:
- Abraão, daqui a seis anos o Eterno visitará sua tenda, e sua esposa será
curada de sua aridez. Ela se converterá e lhe dará um filho que se chamará
Isaque.
Ao findar a festa de Sukot, retornamos às nossas tendas
junto ao Carvalho de Mambré. À medida que íamos avançando pelo caminho, muitas
pessoas nos cercavam, admirados pela beleza do vaso repleto de pérolas. A todos
contávamos a história de sua chama redentora, e dávamos as jóias àqueles que
aceitavam a salvação. Quando chegamos ao Carvalho de Mambré, uma multidão de
pessoas nos esperava. Muitos tinham ouvido falar do miraculoso livramento
operado através daquele jarro que fora alvo de tanto menosprezo. Agora, estavam
todos emudecidos ao vê-lo glorificado.
Juntamente com os meus pastores, continuamos a proclamar
o infinito amor de Deus revelado pela chama. O número daqueles que procuravam
pelas pérolas ia aumentando, dia após dia, e todos éramos felizes.
Melquisedeque enviou-nos muitos de seus súditos que eram mestres em música,
para realizarem uma missão importante. Eles apresentavam a história de seu
reino de paz por meio de lindos cânticos que exaltavam o poder da humildade e
do amor. Sua música tinha o poder de transformar corações infelizes, dando-lhes
esperança e alegria em viver. Para que se propagasse a influência restauradora
da música de Salém, eles ensinavam a muitos a cantarem tocarem flautas e
alaúdes, enviando-os depois de certo tempo como mensageiros de sua missão de
paz.
Os dias, os meses e anos foram-se passando, e as pérolas
e pedras preciosas foram diminuindo dentro do jarro. Estávamos vivendo agora os
últimos meses do sexto ano, que era o último da oportunidade. À medida em que
os dias se passavam, aumentava em meu coração uma preocupação e uma angústia,
pois Sara até então não tomara interesse em apossar-se de sua pérola, apesar de
meus constantes rogos.
Naqueles momentos de aflição em que clamava a Deus pela
salvação de Sara, meu único consolo eram as últimas palavras do rei de Salém,
de que ao fim dos seis anos ela seria transformada. Vivíamos agora os últimos
dias do sexto ano. A consciência de que o tempo estava se esgotando, fazia com
que muitas pessoas nos procurassem de manhã até à noite, para apossarem-se das
jóias da salvação. Com o coração ferido por uma indizível aflição, eu insistia
com Sara, procurando convencê-la de sua necessidade em tomar, o quanto antes,
uma pérola, pois as mesmas estavam ficando escassas. Sem atentar para a minha
angústia, Sara desdenhava de meus apelos, afirmando que aquelas pérolas não
tinham nenhum valor para ela.
Capítulo IX
Depois de uma noite de vigília em que, desesperadamente,
procurei em vão convencer minha amada a apossar-se uma pérola, aceitando a
salvação representada por aquele jarro, vi o sol surgir trazendo a luz do
último dia, véspera de Rosh Hashaná. Ao olhar para dentro do vaso naquela
manhã, vi que restavam apenas três pérolas. Ao admirar-lhes o brilho, comecei a
imaginar que a maior seria para o meu filho prometido, a de tamanho
intermediário seria a de Sara, e a menor seria a minha. Esse pensamento
trouxe-me alívio e esperança. Mas, ao mesmo tempo, comecei a preocupar-me com a
possibilidade de chegarem pessoas procurando por elas. Se viessem, eu não
poderia negá-las.
Tomado por essa preocupação, permaneci sentado sob o
Carvalho de Mambré. Na viração do dia, sobreveio-me um grande estremecimento
quando vi ao longe três peregrinos que caminhavam rumo à nossa tenda. Comecei a
clamar ao Eterno para que eles mudassem de rumo, mas meus clamores não foram
atendidos. Dominado por uma indizível amargura, corri até eles e, depois de
prostrar-me, convidei-os para a sombra. Tomando uma bacia com água, passei a
lavar-lhes os pés, limpando-os da poeira do caminho. Ao ver os pés feridos e
calejados daqueles homens, senti compaixão por eles. Compreendi que haviam
vindo de muito longe, enfrentado perigos e desafios, com o propósito de pegarem
em tempo as pérolas. Vi que eles eram mais merecedores que eu, Sara e nosso
filho prometido.
Ao lavar os pés do terceiro, meu coração que, até então
estava aflito, encheu-se de paz e alegria. Imaginava naquele momento, quão
terrível seria se aquele terceiro peregrino não houvesse se unido aos dois
primeiros naquela caminhada. Nesse caso eu seria obrigado a tomar da última
pérola, subindo sem minha amada para Salém. Se eu tivesse de passar por essa
experiência, a pérola que simboliza a alegria da salvação, se tornaria num
símbolo de minha solidão e tristeza, pois a vida longe do carinho de Sara,
seria para mim o maior castigo, como a própria morte.
Depois de lavar-lhes os pés, comecei a servir-lhes o
alimento que foi especialmente preparado para eles. Enquanto os servia em
silêncio, fiquei esperando pelo momento em que eles perguntariam pelas pérolas.
Mas, sem revelar nenhuma pressa, eles falavam sobre a longa caminhada que
fizeram, e sobre as cidades por onde haviam passado. Eu perguntei-lhes se
conheciam Salém. Eles responderam-me afirmativamente, acrescentando que
naqueles seis anos, muitas obras haviam sido realizadas naquela cidade, em
preparação para uma grande festa que estava para realizar-se dentro de mais um
ano, por ocasião da festa de Sukot.
As palavras daquele terceiro peregrino, o mais falante
deles, começaram a trazer-me, misteriosamente, um sentimento de esperança. Ao
olhar para os seus olhos, vi que ele se parecia com Melquisedeque. Lembrava-me
da última promessa feita pelo rei de Salém, quando o terceiro peregrino
perguntou-me com um sorriso:
- Abraão, onde está Sara, sua mulher?!
Atônito, perguntei-lhe:
- Como você sabe o meu nome e o nome de minha esposa?
O peregrino respondeu-me:
- Não somente sei o nome de vocês, como também sei que daqui a um ano vocês
terão um filho que será chamado Isaque.
Ao ouvir as palavras do visitante, corri para dentro da
tenda a fim de chamar minha esposa, para que ouvisse as palavras daquele
peregrino. Ao vê-la, o peregrino perguntou-lhe:
- Sara, por que você riu de minhas palavras?
Assustada, Sara, respondeu:
- Eu não ri, meu Senhor!
- Não diga que não riu, pois eu a vi rindo dentro da tenda. Afirmou o peregrino.
Consciente de estar diante de alguém que conhecia o seu
íntimo, Sara perguntou-lhe:
- Quem és tu Senhor?!
- Eu sou a Chama
que se desprendeu do fogo do Altar para estar no jarro que você rejeitou! Eu
sou o Messias, o Deus que sofre humilhações e desprezo por amor ao seu povo!
Tendo feito esta revelação, o peregrino estendeu suas
mãos sobre a cabeça de Sara para abençoá-la. Somente então vi que elas estavam
marcadas por cicatrizes semelhantes às do rei de Salém. O peregrino, com muita
ternura, começou a falar ao coração de minha amada, resgatando-a de sua
incredulidade:
- Sara, você é preciosa aos meus olhos! Todo o seu passado de descrença e
infertilidade está perdoado! Tenho para você um futuro glorioso, pois você se
tornará mãe de muitos povos e nações!
Depois de dizer estas palavras, o nobre visitante
encaminhou-se para o jarro e, inclinando-se, tomou dele as três pérolas
restantes. Dirigindo-se a Sara, entregou-lhe duas pérolas, e disse-lhe:
- Uma é para você
e a outra é para o seu filho Isaque.
Com a vida transformada pelo amor do Eterno, Sara
prostrou-se agradecida aos pés daquele peregrino que a salvara no último
momento. Quando a vi prostrar-se submissa, meu coração por tantos anos aflito,
rompeu-se em lágrimas de alegria e gratidão, e caí aos pés de meu Redentor e
Rei. Depois de consolar-nos com a certeza de nossa eterna salvação, o peregrino
entregou-me a última pérola. Quando apertei-a em minhas mãos, senti grande luz
e paz inundar-me todo o ser, e passei a louvar ao Eterno pela certeza de que
teria para sempre ao meu lado minha querida Sara e o filho que, segundo a
promessa, dentro de um ano nasceria.
Capítulo X
Depois destas coisas, o Eterno despediu-se de Sara e dos
pastores que ali se encontravam, e convidou-me a acompanhá-los até o outeiro
que fica defronte do vale. Ao chegarmos àquele lugar, o Eterno despediu-se de
seus dois companheiros, enviando-os para uma missão especial em Sodoma.
Do cimo do monte contemplávamos os férteis vales e
florestas que, como um paraíso, estendiam-se em ambas as margens do rio Jordão,
circundando as prósperas cidades, dentre as quais destacavam-se Sodoma e
Gomorra.
Fora sobre aquela colina que, depois da contenda entre
os meus pastores e os pastores de Ló, dei-lhe a oportunidade de escolher o rumo
a seguir, pois não poderíamos permanecer juntos. Atraído pelas riquezas da
campina, ele decidiu mudar-se para lá. Ao olhar para o meu companheiro que
ficara silente desde o momento em que avistamos a campina, fiquei surpreso ao
vê-lo chorando. Perguntei-lhe o motivo de sua tristeza, e Ele, soluçando,
respondeu:
- Este é para mim um dia de muita tristeza, pois pela última vez meus olhos
podem pousar sobre este vale fértil. Choro pelos habitantes dessas cidades que
não sabem que os seus dias acabaram!
A declaração do Messias trouxe-me à lembrança todos
aqueles cativos que haviam sido libertos seis anos antes. Infelizmente, quase
todos rejeitaram o banho da purificação, retornando imundos para suas casas.
Unicamente Ló e suas filhas aceitaram a salvação, tomando posse de suas
pérolas. Pensando numa possibilidade de livramento para aquele povo, perguntei
ao Eterno:
- E se por acaso existir, naquelas cidades, cinqüenta pessoas justas; mesmo
assim elas serão destruídas?
O Senhor disse-me que se houvesse cinqüenta justos, toda
a planície seria poupada.
- E se houver 45 justos?
- Se houvesse ali 45 justos, todas aquelas cidades seriam poupadas.(11)
Continuei com minhas indagações até chegar ao número
dez. O Eterno disse-me que, se houvesse dez justos naquelas cidades, toda a
planície seria poupada. Torturado por uma indizível agonia de espírito, o
Senhor voltou a chorar amargamente, enquanto com voz embargada, pronunciava um triste
lamento:
- Sodoma e Gomorra, quantas vezes quis Eu ajuntar os seus filhos, como a
galinha ajunta os seus pintainhos debaixo das asas, mas você não aceitou minha
proteção. Por que você trocou a luz da minha salvação pelas trevas deste reino
de morte?! Meus ouvidos estão atentos em busca de pelo menos uma prece, mas
tudo é silêncio! Minhas mãos estão estendidas, prontas a impedir o fogo do
juízo, mas vocês recusam o meu socorro!
Curvando-me ao lado de meu companheiro sofredor, uni-me
a Ele na lamentação. Naquele momento de dor, tive a certeza de que
Melquisedeque também sofria por todos aqueles que haviam trocado o amor e a paz
de Salém pelas ilusões daquele vale de destruição. Depois de um longo pranto, o
Messias consolou-me com a revelação de que os seus dois companheiros
encontravam-se naquele momento em Sodoma, com a missão de salvar Ló e suas
filhas, livrando-os da morte. Suas palavras trouxeram-me alívio, e prostrei-me
agradecido aos seus pés.
Capítulo XI
Antes de partir, o Eterno encarregou-me de uma missão,
dizendo:
- Tome um rolo vazio e registre nele a história do vaso e a história de
Salém, conforme ouviu dos lábios de Melquisedeque. Dentro de um ano, você e
todos aqueles que aceitaram a salvação, deverão subir à Salém para a festa de
Sukot. Naquele dia, entregará ao rei de Salém o jarro, oferecendo dentro dele,
como presente, o rolo.
Naquela mesma tarde, em obediência às ordens do Senhor,
comecei a registrar a história vivida por mim e por meus pastores, desde o
momento em que parti rumo ao vale, levando sobre as costas o vaso com sua
labareda. No dia seguinte, o sol já ia alto, quando, ao mencionar a cidade de
Sodoma no manuscrito, lembrei-me que aquele era o dia de sua destruição. Com o
coração acelerado, corri para lá e fiquei espantado com o cenário que se
estendeu diante de meus olhos: em lugar daquele vale fértil, semelhante a um
paraíso, havia um deserto fumegante, sem nenhuma vida. No lugar das cidades de
Sodoma e Gomorra, havia uma cratera, para onde as águas do mar salgado
escorriam.
Abalado ante essa visão de destruição, retornei à tenda
com o coração entristecido. A lembrança de tantas pessoas que, por rejeitarem o
perdão divino, haviam sido consumidas pelo fogo, deixou-me profundamente
abalado. Nos dias seguintes, não encontrei forças para escrever. Retornei
outras vezes ao outeiro, com a esperança de que tudo aquilo fosse um pesadelo,
mas em lugar do vale fértil eu somente conseguia enxergar aquele caos.
Demorou vários dias para que eu voltasse a ter ânimo
para prosseguir com os escritos do rolo.
Fim da primeira parte
Referências:
(1)(Ezequiel 38; Zacarias 12: 10; (2) Genesis 14:18-24; (3)Jeremias 30:7-8; (4)
Isaias
51:1-3;(5)Isaias 52:7; (6)Zacarias 14:16-19; (7)Isaias 56:1-8;(8) Apocalipse
13: 15-18;
(9)Apocalipse 15;
Sonfonias 1:13-18; (10)S.Mateus 24:30,31; Apocalipse 14:1-5; 21:1-5; (11)
Gênesis
Livro de Melquisedeque
Segunda parte
A História de Salém
A História de Salém
Capítulo I
Esta é a história de Salém, segundo ouvi dos lábios de
Melquisedeque por ocasião da festa de Sukot, cinco dias depois do livramento de
Ló e suas filhas. Tudo começou com um sonho no coração de um homem chamado
Adonias. Ele possuía muitas riquezas, mas a nada prezava mais que a justiça e a
paz que nascem da sabedoria e do amor. Cansado com as injustiças que predominavam
por toda a terra de Canaã, Adonias resolveu edificar um reino que fosse regido
por leis de amor e de justiça. O nome da capital desse reino seria Salém, a
Cidade da Paz. Os súditos de Salém não empunhariam arcos nem flechas, mas
seriam treinados na arte musical. Cada habitante de Salém teria sempre ao
alcance de suas mãos um instrumento musical, para expressar por meio dele a paz
e a alegria daquele novo reino. Juntos formariam uma poderosa orquestra na luta
contra a desarmonia que nasce do orgulho e do egoísmo.
O primeiro passo de Adonias para a concretização de seu
plano, foi elaborar as leis do novo reino, as quais ele escreveu em um
pergaminho. Os súditos de Salém não poderiam mentir, furtar, odiar, nem matar
seus semelhantes. O orgulho e o egoísmo eram apontados como causa de todo o
mal, portanto, não poderiam existir naquele lugar de paz. As leis do pergaminho
requeriam a prática da humildade, da sinceridade, da amizade, e, acima de tudo,
do amor, que é a maior de todas as virtudes.
Depois de registrar no pergaminho as leis que regeriam
aquele reino, Adonias passou a arquitetar Salém. Seria uma cidade a princípio
pequena, com habitações para mil e duzentas pessoas. Como lugar de sua
edificação, foi escolhida uma região alta de Canaã, ao ocidente do Monte das
Oliveiras. Em pouco tempo, a realização de Adonias começou a atrair pessoas de
todas as partes que, de perto e de longe, vinham para conhecer os palácios e as
mansões que estavam sendo edificados. Admirados ante a beleza daquela cidade
tão alva, os visitantes perguntavam sobre quem seriam os seus moradores.
Adonias mostrava-lhes o pergaminho, dizendo que Salém destinava-se aos limpos
de coração - aqueles que estivessem dispostos a obedecerem suas leis.
Capítulo II
A edificação da cidade foi finalmente concluída, e Salém
revelou-se formosa como uma noiva adornada, à espera de seu esposo. Assentado
em seu trono, Adonias examinava os numerosos pretendentes que chegavam de todas
as partes, desejosos em ser súditos daquele reino. Aqueles que, prometendo
fidelidade às leis eram aprovados, recebiam três dotes do rei: o direito a uma
mansão, vestes de linho fino e um instrumento musical no qual deveriam
praticar.
A cidade ficou finalmente repleta de moradores. Cheio de
alegria, Adonias convocou a todos para a festa de inauguração de Salém, no
decorrer da qual proclamou um decreto que determinaria o futuro daquele reino,
dizendo:
- A partir deste dia, que é o décimo do sétimo mês, seis anos serão
contados, nos quais todos os moradores serão provados. Somente aqueles que
permanecerem leais, progredindo na prática das leis do pergaminho, serão
confirmados como herdeiros deste reino de paz. Aqueles que forem enlaçados por
culpas e transgressões serão banidos pelo juízo.
As palavras do rei levaram todos a um profundo exame de
coração, e alegraram-se com a certeza de que alcançariam vitória sobre todo o
orgulho e egoísmo, que são as raízes de todos os males.
Adonias tinha um único filho a quem dera o nome de
Melquisedeque. A beleza, ternura e sabedoria desse filho amado haviam sido sua
inspiração para a edificação de seu reino. Melquisedeque tinha doze anos de
idade, quando Salém foi inaugurada. Era plano de Adonias coroá-lo rei sobre os
súditos aprovados, ao fim dos seis anos. Este plano, ele o manteria em segredo
até o momento devido.
O príncipe, com suas virtudes e simpatia, tornou-se logo
muito querido de todos em Salém. Ele tinha sempre nos lábios um sorriso e uma
palavra de carinho. Apreciava estar junto aos súditos em seus lares,
recitando-lhes as leis do pergaminho em forma de lindas canções que vivia a
compor. Sua presença trazia ao ambiente uma atmosfera de felicidade e paz. Esse
amado príncipe possuía, de fato, todas as virtudes necessárias para ser rei de
uma Salém vitoriosa.
Adonias edificara uma mansão especial junto ao palácio,
com o propósito de ofertá-la ao súdito cuja vida expressasse mais perfeitamente
as leis do pergaminho. Diariamente ele observava os moradores, procurando entre
eles essa pessoa a quem desejava honrar. Passeava pelas alamedas de Salém,
quando, por entre o trinar de pássaros, Adonias ouviu uma voz semelhante a de
seu filho. Ao voltar-se para ver quem era, encontrou um belo jovem que
cantarolava uma canção. Ao contemplar em sua face o brilho da sabedoria e da
pureza, Adonias alegrou-se por haver encontrado aquele a quem poderia honrar.
Aquele jovem, que era uma cópia fiel do príncipe, chamava-se Samael.
Colocando-lhe um anel no dedo, o rei conduziu-o ao palácio, onde foi recebido
por Melquisedeque que ofereceu-lhe muitos presentes, entre os quais o direito
de estar sempre ao seu lado.
Adonias preparou um grande banquete em honra a Samael,
para o qual todos foram convidados. Ao contemplá-lo ao lado do rei, os súditos
o aclamaram com alegria, acreditando ser ele o próprio príncipe.
Exaltavam com júbilo as virtudes daquele formoso jovem,
quando revelou-se Melquisedeque, posicionando-se com um sorriso à direita de
seu pai. No banquete, Samael foi honrado por todos. Realmente ele era digno de
residir na mansão do monte, pois havia nele um perfeito reflexo das virtudes
que coroavam o amado príncipe.
Capítulo III
Salém crescia em felicidade e paz. Com alegria, os
súditos reuniam-se a cada dia ao amanhecer para ouvirem, cantarem e tocarem as
sublimes composições de Melquisedeque, que inspiravam atos de bondade e paz.
Entre as amizades nascidas e fortalecidas em virtude da música harmoniosa,
sobressaía aquela que unia o príncipe a Samael. Desde que passara a residir na
mansão do monte, Samael tornara-se seu companheiro constante. Passavam longas
horas juntos, meditando sobre as leis do pergaminho. Com admiração, o súdito
honrado via o filho de Adonias transformar aquelas leis em lindas canções. As
doces melodias nasciam dos seus lábios como o perfume de uma flor. Consciente
da importância da música na preservação da harmonia e paz em Salém, o príncipe,
além do canto, passou a dedicar-se à música instrumental, sendo o seu
instrumento preferido o alaúde. Era por meio desse instrumento que conseguia
expressar com maior perfeição a riqueza de seu íntimo.
Dos seis anos de prova, cinco, finalmente, passaram.
Adonias, feliz por ver que até ali todos os habitantes de Salém haviam
permanecido leais aos princípios contidos no pergaminho, convocou-os para um
banquete, no qual faria importantes revelações. Tendo tomado seus lugares
diante do trono, os súditos, com alegria uniram as vozes entoando os cânticos
da paz, sendo regidos por Samael. Depois de ouvi-los, o rei, emocionado,
dirigiu-se a seu filho, abraçando-o em meio aos aplausos da multidão agradecida.
Todos reconheciam que a paz e a alegria em Salém eram em grande medida devidas
ao amor e dedicação do querido príncipe, que era o autor daquelas doces
canções. Naquele momento de reconhecimento e gratidão, Adonias revelou os seus
planos mantidos até então em segredo. Com voz pausada, disse-lhes:
- Súditos deste reino de paz, minh’alma está repleta de alegria por
contemplar nesse dia vossas faces mais radiantes que outrora. Vossas vestes
continuam alvas e puras, como quando as recebestes de minhas mãos. A harmonia
de vossas vozes e instrumentos hoje são maiores.
Tendo dito estas palavras, o rei acrescentou com
solenidade:
- Um ano de prova ainda resta, ao fim do qual sereis examinados.
Permanecendo fiéis como até aqui, sereis honrados, confirmados como súditos
deste reino de paz. Contudo, se alguém for achado em falta, será banido, ainda
que este julgamento nos traga muita tristeza e sofrimento.
As palavras do rei levaram os súditos a uma profunda
reflexão. Todos, examinando-se, indagavam reverentes:
- Estaremos aprovados?!
Certos de que seriam vitoriosos, pois amavam Salém e
suas leis, uniram as vozes num cântico expressivo de fidelidade. Ao terminarem
o cântico, Adonias revelou-lhes seu grande segredo:
- Aqueles que forem aprovados, herdando este reino de paz, receberão como
rei o meu filho, a quem darei o trono glorificado dessa Salém vitoriosa.
A revelação do rei foi aclamada por todos com muito
júbilo. Adonias, contudo, ainda não lhes revelara todo o seu plano, por isso,
pedindo-lhes silêncio, prosseguiu:
- O meu filho empunhará um cetro especial, no qual selarei todo o direito
de domínio. Seu cetro, simbolizando toda a harmonia, será um alaúde.
Diante desta revelação que a todos sensibilizou, o
príncipe, prostrando-se aos pés de seu pai, chorou motivado por muita alegria.
Enquanto isto, todos o aplaudiam com euforia, ansiando ver o raiar desse dia em
que a paz seria vitoriosa. Adonias, chamando para junto de seu filho a Samael,
concluiu dizendo:
- No governo dessa Salém vitoriosa, tenho proposto fazer de Samael o
primeiro depois de Melquisedeque. A ele será confiado o pergaminho das leis,
devendo ser o guardião da honra desse reino triunfante.
Capítulo IV
Samael, ao conhecer os planos de Adonias quanto ao
futuro de Salém, encheu-se de euforia. Contemplava agora risonho aquela cidade
sem igual, imaginando seu futuro de glória. Considerando as palavras do rei, de
que ele seria o segundo no reino, deixou ser dominado por um sentimento de
exaltação. Ele, que até ali, em obediência às leis do pergaminho, vivera uma
vida de humildade, começava a orgulhar-se de sua posição. Em seu devaneio
sentia-se junto ao trono, tendo os súditos de Salém a seus pés, aclamando com
louvores sua grandeza. Samael, totalmente dominado por esse sentimento, não
dava por conta de que estava sendo conduzido para um caminho perigoso. O
orgulho que o seduzira estava gerando o egoísmo que logo se manifestaria em
cobiça.
Uma semana após a revelação de Adonias, os súditos
promoveram uma festa em homenagem a Melquisedeque, o futuro rei de Salém.
Vendo-o aclamado por tantos louvores, Samael teve o coração tomado por um
estranho sentimento de inveja, fruto do orgulho e do egoísmo. Não podia
suportar o pensamento de ser deixado em segundo plano. Não era ele tão formoso
e sábio quanto o príncipe?! Era quase impossível disfarçar tal sentimento de
infelicidade. Outrora, Samael encontrara indizível prazer nos momentos em que,
ao lado do príncipe, recitava as leis contidas no pergaminho, que eram
transformadas em lindas canções. Agora, tais momentos tornaram-se
desagradáveis, pois aqueles princípios contrariavam os seus ideais. Decidiu,
contudo, não revelar seus sentimentos de revolta. Suportaria o antiquado
pergaminho até que, com sua autoridade, pudesse bani-lo do novo reino que seria
estabelecido. Não seria ele o guardião
daquelas leis? Essa “vitória” procuraria alcançar mediante sua influência e
sabedoria.
Julgando poder influenciar o filho de Adonias com seus
sonhos de grandeza, Samael aproximou-se dele com euforia, e passou a falar-lhe
das glórias do reino vindouro, onde os dois, cobertos de honras, desfrutariam
os louvores de uma Salém vitoriosa. Seriam eles os heróis do mais perfeito
reino estabelecido entre os homens. As delirantes palavras do súdito honrado
trouxeram preocupação e tristeza ao coração do jovem príncipe, pois não
refletiam os ensinamentos de amor e humildade do pergaminho. Vendo o seu íntimo
amigo em perigo, Melquisedeque, com uma ternura jamais revelada, conduziu-o
para junto do trono, onde, tomando o pergaminho, passou a ler compassadamente
os seguintes parágrafos:
- O reino de Salém será firmado sobre a humildade, pois esta virtude é a
base de toda verdadeira grandeza. A humildade é fruto do amor, sendo contrária
ao orgulho, que pode manter uma criatura presa ao pó, fazendo-a contentar-se
com suas limitações, iludindo-a como se as mesmas fossem de infinito valor. A
humildade consiste no esquecimento de si, e este, numa vida de abnegado serviço
aos semelhantes.
Samael, esforçando-se para encobrir sua indignação ante
a leitura do pergaminho que para ele era ultrapassado, disse ao príncipe, em
tom de conselho amigo:
- Meu bom companheiro, reinaremos numa Salém vitoriosa, que fulgurará muito
acima deste pergaminho, cujos princípios foram cumpridos fielmente nesses anos
de prova. A plena liberdade não será a glória de Salém? Pois saiba que,
completa liberdade não coexistirá com estas leis, cujo objetivo encerra-se ao
fim dos cinco anos. Caberá a nós dois coroarmos Salém com a honra de uma total
liberdade, que gerará uma felicidade sem fim. Tal liberdade é impossível
existir sob as limitações do pergaminho.
O filho do rei ficou muito abalado ante as palavras de
seu amigo, que evidenciavam loucura. Como libertá-lo desse caminho de morte?!
Ninguém em Salém, além de Melquisedeque, conhecia a
triste condição de Samael. Com paciência, o príncipe procurava conscientizá-lo
do real valor do pergaminho, cujas leis não podiam jamais ser alteradas, pois
isto seria o fim de toda a paz. Os conselhos do príncipe despertaram finalmente
o seu coração. Meditando sobre suas palavras, conscientizou-se de estar
seguindo por um caminho enganoso. Ao ver nos olhos daquele a quem tanto amava
as lágrimas do arrependimento, o filho de Adonias alegrou-se com sua vitória
sobre o orgulho e o egoísmo. Os dias que seguiram-se à libertação foram cheios
de realizações. O príncipe revelava-se ainda mais amigo, disposto a dar tudo de
si para que seu companheiro pudesse prosseguir triunfante no caminho da
humildade. Naqueles dias de júbilo, foi dada a ele a honra de conhecer o cetro
que estava sendo moldado.
Num momento de descuido, Samael, que voltara a desfrutar
paz de espírito, permitiu que seu coração novamente ficasse possuído por um
sentimento de grandeza, que fez desencadear nova tormenta em sua alma. Esse
sentimento misto de orgulho e cobiça lhe sobreveio no momento em que o príncipe
mostrava-lhe o dourado alaúde, no qual estava sendo impresso o selo de todo o
domínio.
Capítulo V
De sua mansão Samael contemplava Salém em seu resplendor
matinal. Vendo-a, qual noiva adornada à espera de seu rei, cobiçou-a. Em seu
delírio passou a formular planos de conquista. Já podia sentir-se exaltado
sobre o seu trono, tendo nas mãos o cetro precioso. Todos o aclamariam como o
libertador da opressão daquelas leis. Salém seria um reino de completa
liberdade e prazer. Dominado por esta cobiça, passou a maquinar planos de
conquista. Samael decidiu agir subtilmente entre os súditos, levando-os a ver no pergaminho um empecilho à real
liberdade. Em sua missão de engano, agiria com aparente bondade, revelando
interesse pelo crescimento da felicidade de todos.
Pondo em prática seus planos, passou a visitar os
súditos em suas mansões, falando-lhes das glórias do reino vindouro, onde
desfrutariam completa liberdade. Grande era a sua influência em Salém. Todos
admiravam sua beleza e sabedoria, tendo-o como um perfeito apóstolo da justiça
e do amor. Ninguém podia imaginar que, em meio àquela atmosfera de júbilo e
gratidão, uma armadilha sutil estava sendo colocada, nas garras da qual muitos
poderiam cair por descuido. Em sua sedutora missão, Samael não falava contra o
pergaminho, aliás, louvava-o por haver exercido naqueles seis anos, prestes a
findarem, uma missão de prova. Em sua lógica, contudo, procurava mostrar que,
no reino vindouro, quando todos estivessem aprovados, estariam acima daquelas
leis. Seus argumentos, aparentemente corretos, preparavam-lhe o caminho para
afirmar abertamente que, no novo reino, a existência do pergaminho seria um
entrave à concretização da verdadeira liberdade.
As sementes da rebelião lançadas por Samael não tardaram
a germinar no coração de muitos em Salém. Isto acontecia a seis meses do Yom
Kipur, quando o destino de todos seria selado. Um terço dos habitantes,
seduzido pelo terrível engano, exaltava-o agora, em completo desprezo às leis e
ao príncipe, a quem julgavam ultrapassados. Adonias, que sofria ao ver o
surgimento de toda essa rebeldia, convocou os súditos para uma reunião de
emergência. Na face de todos podia-se ver as contrastantes disposições. Com voz
compassiva, o rei passou a revelar-lhes, como jamais fizera antes, a grande
importância das leis registradas no pergaminho, mostrando que elas eram a base
de toda a prosperidade e paz. Se tais leis fossem banidas, toda felicidade e
glória se extinguiriam, dando lugar ao caos.
Depois de mostrar a necessidade das leis, Melquisedeque,
movido por um forte desejo de salvar aqueles a quem tanto amava, ergueu diante
de todos o pergaminho e, com voz cheia de bondade, ofereceu-lhes o perdão e a
oportunidade de recomeçarem no caminho da paz. Suas palavras a todos emocionou.
Até mesmo Samael ficou a princípio motivado, contudo, o orgulho impediu-lhe
novo arrependimento. Desta maneira, o súdito honrado, quando ainda podia olhar
arrependido para o pergaminho, endureceu-se em sua rebeldia, decidindo
prosseguir até o fim. Esta decisão, todavia, não a manifestaria prontamente,
pois idealizara um traiçoeiro plano.
Ao findar o encontro da oportunidade, Samael convocou
seus seguidores para uma reunião secreta, que foi realizada sob o manto da
noite, junto ao riacho de Cedrom, que fica fora dos muros de Salém. Após
maldizer o pergaminho e a todos aqueles que o defendiam, começou a falar-lhes
de seus planos de vingança e traição:
- Como vocês sabem, os seis anos da prova estão se esgotando, restando, a
partir de hoje, vinte e quatro semanas para o dia da coroação. Se vocês
quiserem ter-me como rei em lugar de Melquisedeque, poderei roubar-lhe o cetro,
apoderando-me do reino.
Samael passou a explicar-lhes os lances da traição,
dando-lhes as devidas orientações sobre a maneira de agirem a partir daquela
data:
- Precisamos manter uma aparência de fidelidade ao pergaminho e ao príncipe
até que chegue o momento de agirmos. O golpe será dado na noite que antecede o
dia da coroação. À meia-noite, furtivamente nos ausentaremos de Salém. Roubarei
nessa noite o cetro e, juntos, fugiremos para o profundo vale onde estão as
cidades de Sodoma e Gomorra. Ali nos armaremos, e marcharemos contra Salém,
subjugando nossos inimigos. Acabaremos então com o pergaminho e com todos
aqueles que se recusarem prestar obediência ao nosso governo.
Capítulo VI
Sobrevieram dias de aparente tranqüilidade e paz.
Samael, fingindo fidelidade, estava sempre ao lado do príncipe, demonstrando
admiração pelas suas novas composições que exaltavam as leis do pergaminho. Os
seguidores de Samael, da mesma maneira, uniam as vozes em louvores que
expressavam a grandeza dos princípios aos quais repugnavam. Melquisedeque,
cheio de alegria por ver aproximar-se o dia de sua coroação, ensaiava com os
súditos os cânticos da vitória, os quais compusera especialmente para aquela
ocasião. Com felicidade falava a todos sobre seus sonhos em tornar Salém cada
vez mais honrada por sua beleza e harmonia. Samael, em sua maldade velada,
zombava do príncipe. Já previa a dor que lhe traria o golpe da traição.
Naqueles dias de aparente paz, o súdito rebelde procurou
conhecer o lugar em que o cetro ficaria oculto até o dia da coroação. O
príncipe, sem nada desconfiar, revelou-lhe todo o segredo: a sala, o cofre com
seu enigma, o rico estojo e, finalmente o tesouro. Contemplando-o, o astuto
Samael animou-se ao ver estampado em seu bojo o selo do domínio. Compreendeu
que aquele que o possuísse teria nas mãos o reino de Salém. Somente alguns dias,
pensou, e teria sob seu poder aquele instrumento precioso.
O sol declinou trazendo para Salém o dia que
significaria vitória ou derrota. Pouco antes do anoitecer, Samael deixara o
palácio onde passara todo o dia ao lado do príncipe, ajudando-o nos preparativos
para a cerimônia da coroação. Dirigindo-se para sua mansão, saudou as trevas
com um sorriso maldoso. Como ansiara por aquela noite! Enquanto os fiéis,
embalados pela emoção da feliz vitória, revisavam sob a luz de candeias os
adornos de seus instrumentos, de vestes e mansões, certificando-se que seriam
aprovados na manhã seguinte, Samael e seus seguidores faziam seus últimos
preparativos para desferirem o golpe.
À meia-noite, seguindo as instruções de Samael, todos os
seus seguidores abandonaram silentemente suas mansões, rumando-se ao profundo
vale de Cedrom, onde esperariam pelo seu novo rei. Samael, por sua vez,
dirigiu-se aos fundos do palácio, por onde esperava entrar sem ser notado, indo
ao encontro do cetro. Evitando qualquer ruído, transpôs o portal, dirigindo-se
silentemente à sala que guardava o precioso cetro.
Naquele momento, o príncipe que, insone rolava em seu
leito, pressentindo algum perigo, dirigiu-se ao quarto de seu pai e o despertou
dizendo:
- Meu pai, ouvi ruídos de passos no interior do palácio.
Afagando a cabeça de seu filho, Adonias, sonolento
respondeu-lhe:
- Filho, não se preocupe. Deite-se comigo e durma tranqüilamente. Daqui a
pouco raiará o alvorecer e você terá nas mãos o alaúde dourado.
O príncipe, tranqüilizado pelas palavras confiantes de
seu pai, entregou-se a um sono de lindos sonhos em que vivia ao lado de Samael
e de todos os súditos de Salém, os momentos festivos da coroação. Enquanto
isso, o rebelde, com as mãos trêmulas, apossava-se do cetro. Naquele momento, teve
a idéia de levar somente o alaúde, deixando o estojo em seu devido lugar. Com
um sorriso cheio de maldade, imaginou o momento em que o rei entregaria ao seu
filho aquele estojo vazio. Levando consigo o cetro, Samael dirigiu-se
apressadamente ao lugar em que seus seguidores o aguardavam. Ao encontrá-los,
deu vazão a todo o seu orgulho proclamando:
- Agora eu sou o rei de Salém. Quem possui um cetro como o meu? Com ele
domino a terra e o mar. A minha força está nas trevas, pois através delas o
conquistei.
Festejando a vitória, a turba ruidosa afastou-se para
distante de Salém, seguindo rumo às cidades corrompidas da planície, onde
pretendiam armarem-se para a conquista de seu reino.
O sol surgiu no horizonte, trazendo a luz do dia da
expiação (Yom Kipur). Despertando de seu sono de lindos sonhos, o príncipe
apronta-se para a cerimônia do juízo e da coroação. Vestes especiais de linho
fino, adornadas com fios de ouro e pedras preciosas, foram-lhe preparadas.
Depois de vestir-se, Melquisedeque encaminhou-se para o encontro de seus
súditos, na extremidade sul de Salém. Dali os conduziria numa marcha festiva
rumo ao palácio situado ao norte, sobre o monte Sião.
Adonias, fazendo soar um longo chifre, convocou a todos
para a reunião do julgamento. Deixando suas mansões, todos os remanescentes
dirigiram-se para a praça do portão sul, levando consigo seus instrumentos
musicais. Ao encontrar-se com aqueles fiéis, Melquisedeque ficou surpreso pela
ausência de muitos. Esse mistério doía-lhe na alma, pois lhe ocultava a face
mais querida de seu amigo Samael. Deixando seus seguidores reunidos, o príncipe
saiu à procura dos ausentes. Em sua busca infrutífera, dirigiu-se finalmente à
mansão do monte, onde chamou por Samael. Sua voz, contudo, não trouxe nenhuma
resposta além de um eco vazio, que traduzia ingratidão.
Lendo no triste vazio a traição, sentiu vontade de
chorar. Num só momento veio-lhe à mente todo o passado daquele a quem buscara
com tanta dedicação conservá-lo em sua glória, através de conselhos sábios.
Recordou aqueles dias que seguiram à sua recuperação. Como se alegrara com a
certeza de que seu amigo não mais voltaria a cair! Levando-o a pressentir a
tragédia, vieram-lhe à lembrança as indagações de Samael sobre o alaúde, o qual
mostrou-lhe num gesto de amizade. A memória deste fato, somada aos passos
ouvidos no interior do palácio naquela noite, deu-lhe a certeza de que Salém
corria perigo. Não suportando essa possibilidade de traição, prostrou-se em
pranto, ferido pela terrível ingratidão daquele a quem dedicara tanto amor.
Curvado pela dor, permaneceu por algum tempo procurando encontrar algum
consolo. Enxugou finalmente as lágrimas, decidido a fazer qualquer sacrifício a
fim de devolver a Salém sua glória e poder, redimindo-lhe o cetro das mãos do
rebelde.
Consolado pela certeza da vitória, Melquisedeque
retornou para junto dos súditos fiéis. Ocultando-lhes seu sofrimento, bem como
o motivo da ausência de tantos, o príncipe guiou-os em marcha triunfal rumo ao
palácio.
Capítulo VII
Ao aproximarem-se do monte Sião, galgaram os alvíssimos
degraus da escadaria, sendo seguidos pela multidão exultante. Doía-lhe na alma
a expectativa de ver morrer nos lábios dos fiéis, naquela manhã, o seu alegre
canto, devido ao golpe da traição. Encontravam-se agora no interior do palácio,
diante do magnífico trono que esperava pelo jovem rei. Na base do trono, jazia
aberto, em meio a um arranjo de flores, o pergaminho das leis. Junto dele
podia-se ver a linda coroa, feita de ouro e pedras preciosas, bem como o estojo
daquele cetro que simbolizava toda a harmonia de Salém.
Os súditos estavam felizes, pois sabiam que seriam
considerados dignos de herdar aquele reino de paz. Aguardavam agora o momento
da coroação, quando o seu novo rei os regeria de seu trono com seu cetro precioso,
num cântico triunfal. Em meio aos aplausos das hostes vitoriosas, Melquisedeque
dirigiu-se a seu pai, que o recebeu com um carinhoso abraço. O momento era
deveras solene. As hostes silenciaram-se na expectativa da coroação. O estojo
seria aberto e todos testemunhariam a exaltação do querido príncipe. Com o
coração pulsando forte pela alegria, Adonias curvou-se sobre o estojo,
abrindo-o cuidadosamente. Ao encontrá-lo vazio, a alegria de seu semblante deu
lugar a uma expressão de indizível preocupação e tristeza, pois naquele cetro
selara o destino daquele reino de paz.
Ao ver seu pai e todos os súditos aflitos pela ausência
do cetro e de tantos amigos que deveriam estar com eles naquele momento,
Melquisedeque consolou-os com a promessa de que buscaria o cetro. Inconscientes
dos riscos e perigos que aguardavam o príncipe em seu caminho, os súditos
despediram-se dele, vendo-o partir apressadamente.
O alvorecer daquele dia que seria o da coroação alcançou
os rebeldes distantes de Salém, a caminho das cidades da planície. Naquele
manhã, Samael encheu-se de fúria ao ver que o precioso alaúde estava adornado
com inscrições das leis contidas no pergaminho. Tomando uma pedra pontuda,
passou a danificar o cetro, raspando-lhe todas as palavras de amor e justiça. Suas
harmoniosas cordas estavam agora desafinadas sobre o seu bojo ferido, mas
continuava sendo precioso, pois sobre ele jazia selado o domínio de Salém.
Possuí-lo, significava ser dono de todo o poder.
Ao chegarem à altura em que o caminho bifurcava-se, Samael
ordenou a seus seguidores que prosseguissem rumo a Gomorra, enquanto ele iria
até Sodoma, onde permaneceria por dois dias, juntando-se depois a eles. Esperou
pela noite para entrar em Sodoma. Quando ali entrou, caminhou pelas ruas
estreitas sem ser notado, até encontrar uma casa isolada sobre uma elevação.
Fazendo do cetro sua arma, invadiu a casa matando seus moradores, enquanto
dormiam. Apossou-se dessa maneira daquela residência onde, solitário,
maquinaria seus planos para a tomada de Salém.
O entardecer daquele dia que seria o da coroação
alcançou o filho de Adonias a caminhar pelo pedregoso caminho rumo ao vale.
Seus olhos carregados de tristeza e anseio voltam-se para o solo, em busca dos
rastros dos rebeldes. A lembrança da ingratidão daqueles a quem tanto amava o
fez chorar. Suas lágrimas, refletindo os últimos lampejos daquele sol poente,
assemelham-se a gotas de sangue jorrando de um coração ferido. Ele chorava não
por causa dos perigos que lhe sobreviriam naquela fria noite, mas pela infeliz
sorte daqueles que haviam trocado a paz de Salém pela violência daquelas
cidades da planície. O seu único consolo era a lembrança daqueles que, apesar
de todas as tentações, haviam permanecido fiéis. A eles prometera devolver o
cetro, e isto o faria apesar de qualquer sacrifício.
Depois de uma longa noite de insônia em que o príncipe
ficou recostado ao lado do caminho, raiou a luz de um dia que seria decisivo.
Ao aproximar-se de Sodoma naquela manhã, o pensamento de estar tão próximo do
cetro de sua amada Salém fez com que se esquecesse de toda a fadiga, abreviando
seus passos rumo ao desafio. Ao abeirar-se do grande portão da cidade, ficou
tomado por um temor, ao ouvir ruídos espantosos de desarmonia, que traduziam o
orgulho, o egoísmo e a cobiça que ali dominavam todos os corações, fazendo-os
explodir na orgia de uma maldade sem fim.
Seria um grande risco expor-se à violência gratuita
daquela cidade. Esse pensamento o fez deter-se a um passo do portal, onde
estremecido curvou a fronte em indizível luta íntima. Era tentado a recuar, mas
lutava com todas as forças de sua alma contra esse pensamento de fracasso.
Pensando na triste sorte de Salém, cujo domínio estava sendo pisado no interior
daquela cruel Sodoma, Melquisedeque tomou uma firme decisão: como um destemido
guerreiro haveria de avançar, e, mesmo que tivesse de enfrentar o acúmulo de
todos os perigos, prosseguiria, até erguer em suas mãos vitoriosas o cetro
amado.
Resoluto e esperançoso, transpôs o portão de Sodoma,
mergulhando naquele mundo estranho. Tudo ali era o oposto de Salém, começando
pelas pedras ásperas e sujas de suas construções. Sodoma era um reino de
trevas. A presença contrastante do príncipe foi logo notada por muitos que, em
tumulto, o cercaram. A pureza de caráter expressa em sua meiga face e o
esplendor de suas vestes encheram-nos de espanto, e recuaram como que vencidos
por uma força invisível. Dominados pela fúria, passaram a persegui-lo à
distância, decididos a fazê-lo recuar. Jogavam-lhe pedras e lama tentando
macular-lhe as vestes, mas não o atingiam, enquanto ele avançava em sua ansiosa
busca. Desistiram finalmente de persegui-lo, ao entardecer.
Capítulo VIII
O filho de Adonias percorrera todas as ruas e becos à
procura do precioso cetro, mas em vão. Ao ver tombar no horizonte o sol,
anunciando a chegada de mais uma escura e fria noite, seu coração ficou opresso
por uma grande agonia. Ali, naquele último beco, quase vencido pela exaustão e
pelo desespero, inclinou a fronte, desfazendo-se em pranto. Seus lábios
pronunciaram em meio aos soluços as seguintes palavras:
- Salém, Salém, você não pode perecer! O seu cetro precisa ser redimido das
garras da rebeldia! Mas quando e onde vou encontrá-lo?! Já não restam forças em
mim e a esperança de redimi-lo antes da noite me abandona!
O príncipe, em sua suprema angústia, não percebia que
outro gemido de dor, procedente de cordas arrebentadas de um alaúde humilhado,
fazia-se ouvir naquele entardecer. Subitamente, o fraco gemido penetrou seus
ouvidos, reanimando-o com a certeza de que o grande momento da redenção havia
chegado. Enxugando as lágrimas, reuniu as últimas forças correndo em direção a
uma pequena casa situada sobre um monte, de onde parecia vir o som. Ao
dirigir-se à porta entreaberta, deteve-se ao contemplar uma cena chocante, de
humilhante escravidão: Samael, envolvido por um manto sujo, castigava o cetro
de Salém. Tanto o rapaz quanto o cetro achavam-se tão desfigurados, que não
restavam neles quase nenhum traço da glória perdida. Aquele cetro, contudo,
mesmo arrasado como estava, era muito precioso, pois nele jazia o selo do
domínio de Salém.
A contemplação daquele que fora seu maior amigo e
daquele cetro idealizado como símbolo de toda a harmonia, em tão trágica
condição, comoveu profundamente o príncipe, fazendo-o chorar em alta voz.
Somente então o súdito rebelde percebeu sua presença indesejada. Estremecido,
levantou-se, e, cheio de ira perguntou-lhe:
- O que o trouxe a Sodoma?
Apontando para o cetro danificado, Melquisedeque
exclamou:
- A glória de Salém está destruída!!!
Com uma gargalhada, Samael zombou de sua tristeza,
dizendo:
- Agora eu sou o rei de Salém. Vocês que são fiéis ao pergaminho,
tornar-se-ão meus escravos.
Sem se importar com as palavras de afronta de Samael, o
príncipe, movido por uma infinita angústia, disse-lhe:
- Samael, Salém está ferida por sua traição. Por que você trocou o seu lar
de justiça e amor por esse vale de injustiça, ódio e morte?! Agora, se não
deseja retornar à Salém arrependido, devolva-lhe o cetro. Foi para redimi-lo
que, a despeito de todos os perigos, desci a esse vale hostil.
.
Conhecendo o propósito do príncipe, o rebelde encheu-se
de raiva e, cerrando os punhos, disse-lhe:
- Eu o odeio Melquisedeque!
Tendo dito isto, arremessou o cetro ao chão, e pisando-o
acrescentou:
- Tenho vontade de fazer o mesmo com você.
Diante dessa afronta, o príncipe não sentiu nenhum
temor, mas compaixão. Transportando-se ao feliz passado, lembrava-se dos
momentos felizes em que tinha sempre ao seu lado a Samael. Ele era um jovem
puro e humilde de coração. Por que permitira ser escravizado pela ilusão do
orgulho e do egoísmo?! Quão doloroso era ver aquele jovem que, por sua beleza e
simpatia, havia sido honrado acima de todos os súditos, agora arruinado pela
cobiça! Não fora o sonho do príncipe ter junto ao seu trono glorificado, aquele
que lhe era o mais precioso amigo?! Essa tragédia feria-lhe a alma.
Contudo, a triste condição do cetro o atingia ainda
mais, pois ele fora feito como o símbolo de toda a harmonia, e estava sendo
desfeito sob os pés da ingratidão. Surpreso por não ver nos olhos de
Melquisedeque nenhuma expressão de temor, porém de piedade, Samael sentiu-se
frustrado em suas afrontas que visavam amedrontá-lo, levando-o desistir de sua
missão. Diante da postura digna do príncipe, que em silente dor o contemplava,
sentiu-se envergonhado. Essa fraqueza, contudo, foi banida pelo orgulho que
dominava o seu coração. Começou então a planejar algo terrível, para humilhar e
ferir o príncipe, fazendo-o sofrer ainda mais.
Com escárnio disse-lhe:
- O cetro de Salém poderá ser seu, se você conseguir pagar-me o preço de
seu resgate.
Com um brilho nos olhos, o príncipe perguntou-lhe:
- Qual é o preço?
Samael, com um sorriso maldoso, respondeu-lhe
pausadamente:
- O preço não é ouro nem prata, mas dor e sangue. Você deverá despir-se
completamente de suas vestes, deitando-se ao chão. Deverá suportar nessa
condição, espancamentos, até que o sol se ponha. Se você estiver disposto a
submeter-me, sem reagir, o cetro será inteiramente seu
Estremecido ante tão cruel proposta, o filho de Adonias
olhou para o sol que pairava distante sobre uma nuvem. Passou a travar em seu
coração uma luta intensa. A princípio, o horror do sacrifício quase o dominou,
levando-o recuar, mas o pensamento de ver Salém escravizada pela rebeldia,
levou-o finalmente à decisão de pagar o preço do resgate, entregando-se ao
humilhante sofrimento.
Tendo tomado a firme decisão de resgatar o cetro, o
príncipe tirou as vestes, colocando-as sobre uma pedra. Deitou-se em seguida
naquele solo frio, com a fronte voltada para o poente. Impiedosamente, Samael
começou a espancá-lo, fazendo uso do próprio cetro como instrumento de tortura.
Gemendo pela dor dos golpes que o faziam sangrar, o príncipe mantinha o olhar
fixo no sol que parecia deter-se sobre a nuvem. Atordoado pela dor, contemplou
finalmente o sol prestes a se pôr. Alentado pela vitória que se aproximava,
murmurou baixinho:
- Salém, Salém, daqui a pouco terei em meus braços o teu cetro precioso
que, em minhas mãos, tornar-se-á num instrumento de justiça e paz.
Ouvindo a promessa do príncipe feita por entre gemidos,
Samael bradou-lhe com fúria:
- O seu sofrimento não trará nenhum alvorecer para Salém, pois suas mãos
jamais serão capazes de tocar no cetro.
Depois de fazer essa afronta, Samael apossou-se de uma
pedra pontuda, preparando-se para desferir os últimos golpes. Enquanto pensava
sobre a feliz vitória de Salém, Melquisedeque sentiu seu braço direito ser
comprimido pelos pés de Samael. Seguiu a esse rude gesto um golpe que o fez
contorcer-se em agonia. Sua mão fora vazada cruelmente, passando a jorrar
abundante sangue da ferida aberta. Essa mesma violência foi descarregada logo
depois sobre sua mão esquerda. Não suportando a agonia causada por esses
derradeiros golpes, o filho de Adonias, ensangüentado, mergulhou nas trevas de
um profundo desmaio.
Capítulo IX
Ao cessar de golpear o príncipe, o súdito rebelde ficou
possuído por um estranho horror, ao contemplar na face daquele que somente lhe
fizera o bem, o torpor da morte. Procurava não recordar o passado, mas,
irresistente, sentia ser arrastado aos dias de sua feliz inocência em Salém.
Revestido de ricas vestes estava sempre ao lado do príncipe que, com dedicação,
ensinava-lhe a cada dia suas canções falando de paz. Nas indesejadas lembranças
pelas quais era arrastado, reviveu seus primeiros passos no caminho do orgulho
e do egoísmo. Lembrou-se dos incessantes conselhos e rogos daquele que fora seu
melhor amigo, para que desistisse daquele caminho que poderia conduzi-lo à
infelicidade.
Depois de ser arrastado em lembranças por todo aquele
passado de felicidade destruída por sua culpa, Samael teve consciência de sua
ingratidão. Horrorizado pelo que fizera, curvou-se sobre o corpo ensangüentado
de Melquisedeque, e desesperou-se ao vê-lo sem vida. Não suportando o peso da
grande culpa, deixou às pressas aquele lugar, desejando ocultar-se distante,
sob as trevas da fria noite.
Depois de um profundo desmaio, o príncipe começou a
voltar à consciência. Em delírios que o transportavam ao seio de sua amada
Salém, ele revivia momentos vividos e sonhados. Com alegria contemplava a face
de seu maior amigo, para quem estendeu a mão com um sorriso. Mas seu gesto foi
frustrado por uma profunda dor. Em meio aos aplausos dos súditos vitoriosos,
recebe de seu pai o cetro, mas, ao tocá-lo, sente uma irresistível dor em suas
mãos. Com esses sonhos frustrados pela dor, Melquisedeque despertou para a
realidade. Estava nu, ferido e solitário, em um lugar perigoso, longe do abrigo
e carinho de Salém. Mais doloroso era pensar que tudo aquilo era a retribuição
de alguém que fora o alvo principal de todas as dádivas de seu amor.
O príncipe, sem poder mover-se, considerando a grande
traição, passou a chorar sem consolo. Lamentava não por sua dor, mas pela
perdição daqueles que haviam trocado o carinho e a justiça de Salém pelo
desprezo e ódio que os reduziriam finalmente a cinzas sobre aquele vale
condenado. Através das lágrimas, o príncipe contemplava o céu que, semelhante a
um manto tinto de sangue, estendia-se banhado na luz do sol poente. Lembrou-se
então do alaúde pelo qual pagara tão alto preço. Onde estaria ele? Em sua
desesperada fuga, Samael deixara o cetro abandonado junto ao corpo ferido de
Melquisedeque. Quando ele o viu, esqueceu-se de toda a dor, e alcançou-o com
suas mãos feridas. Acariciando-lhe o bojo arruinado, disse-lhe com um sorriso:
- Você é meu novamente. Eu o comprei com o meu sangue.
Samael que, dominado pelo estranho horror, fugira após
cometer o horrível crime, deteve-se a um passo do portão de Sodoma. Ali
impulsionado pelo orgulho, arrependeu-se com indignação de sua fraqueza. Por
que fugira depois de conquistar tão grande vitória? Não era seu plano destruir
o reino de Salém, para estabelecer seu próprio reino? Lembrando-se do cetro,
decidiu retornar para tomá-lo. Por que o deixara abandonado junto ao cadáver
daquele odiado príncipe?
Reunindo suas poucas forças, Melquisedeque dirigiu-se
tropegamente ao lugar em que deixara suas vestes. Depois de vestir-se, tendo
junto ao peito o cetro amado, o filho de Adonias, com profunda emoção, fez um
juramento antes de deixar aquele lugar de seu sofrimento. Acariciando o cetro,
disse-lhe:
- Meu querido cetro, você foi criado como um emblema da harmonia que
procede da justiça e do amor. Toda a glória de Salém repousava sobre você
quando a rebeldia em sua ingratidão escravizou-o, arrastando-o para este vale
hostil. Aqui você foi ferido e humilhado, vindo a tornar-se um instrumento de
impiedade nas mãos do tirano. Eu, porém, o redimi com o meu sangue. Agora nossas
feridas serão restauradas, e em breve seremos entronizados em meio aos louvores
de uma Salém vitoriosa. Quando esse sonho se concretizar, testemunharemos
juntos o fim daqueles que se levantaram contra nós para nos ferir. Samael e
seus seguidores serão devorados pelo fogo que reduzirá a cinzas Sodoma e
Gomorra.
Concluindo seu solene juramento, o jovem príncipe, já
oculto pelas trevas da noite, deixou aquela colina, e sobre ela as marcas de
seu sofrimento.
Desde que o filho do rei partira, prometendo retornar
com o cetro, Salém vivia momentos de indizível anseio. Em pranto, o rei e os
súditos remanescentes lembravam-se de todo aquele feliz passado desfeito pela
ingratidão dos rebeldes. O que mais lhes torturava era a ausência do príncipe e
do cetro, sem os quais todo o brilho daquele reino de paz se ofuscaria.
Desejando consolar o coração de seus súditos, Melquisedeque avançava em meio à
noite rumo aos montes que cercavam Salém. Ainda que enfraquecido e ferido,
prosseguia em sua marcha ascendente, esperando alcançar sua pátria pela manhã.
Aquela longa e escura noite foi finalmente vencida pelos
raios do alvorecer. Em Salém a esperança em rever Melquisedeque com o seu cetro
estava quase banida quando, ao olharem para o Monte das Oliveiras, viram-no
descendo pelo caminho do Getsêmani. Quando o encontraram no profundo vale de
Cedrom, ficaram assustados com sua aparência: sua face estava pálida e seu
manto encharcado de sangue. Mesmo assim, ele sorria expressando grande alegria.
Ao perguntarem-no sobre o porquê daquelas marcas de sangue, Melquisedeque
retirou de sob o manto suas mãos feridas, revelando-lhes entre elas o cetro
redimido. Depois de contar-lhes os passos que o levaram ao resgate do cetro, os
súditos, emudecidos, prostraram-se reverentes aos seus pés, aclamando-o como
seu redentor e rei. Em meio aos louvores das hostes redimidas, o príncipe foi
introduzido no palácio real, onde, sob os cuidados de seu amoroso pai, deveria
restabelecer-se de seu sofrimento. O cetro desfigurado, agora mais precioso, seria
também restaurado, devendo tornar-se mais belo que antes. O dia da coroação foi
fixado para o próximo Yom Kipur. Naquele dia, Melquisedeque selaria com o cetro
restaurado o triunfo de todos os fiéis, bem como a condenação dos rebeldes.
Capítulo X
Poucos instantes após a saída de Melquisedeque, Samael
chegara ao local onde o deixara aparentemente sem vida, ao lado do alaúde. Sem
entender aquele misterioso desaparecimento, ele prosseguiu para Gomorra, onde
seus seguidores o esperavam. Ao vê-los, proclamou sua “vitória” sobre o odiado
príncipe e sobre o cetro, os quais massacrara em Sodoma, não restando aos
seguidores do pergaminho nenhuma esperança. Suas palavras agradaram a turba
rebelde, que passou a comemorar a “conquista”, entregando-se à orgia. Zombavam
agora da justiça e do amor, exaltando a Samael como rei vitorioso.
Obteriam agora armas, com o propósito de avançarem sobre
Salém, desferindo-lhe o último golpe. Juntaram-se a eles, em seu maléfico
propósito, muitos criminosos que foram recebidos como mestres no manejo de
arcos e flechas. Em sua loucura, Samael ordenou o banimento de todo calendário,
pois em seu reino de “liberdade” não estariam sujeitos a nenhum cômputo de
tempo. As leis da moralidade foram também banidas, surgindo com isso um completo
caos. Essa desordem revelou-se de maneira mais patente no barulho estridente e
cacofônico, ao qual proclamaram como a nova música. Dominados pelo egoísmo,
Samael e seus seguidores alimentavam-se de ilusões, inconscientes de que seus
dias estavam contados. Os frutos da rebelião não tardariam a atrair sobre eles
o fogo da destruição.
Dividindo seus seguidores em pequenos grupos, Samael
passou a comandá-los em atos violentos que aterrorizavam os moradores das
planícies. Por esse tempo, eles escondiam-se nas cavernas situadas próximas ao
mar salgado.
O respeito e o medo dos guerrilheiros de Samael levaram
finalmente os reis de quatro cidades a procurarem-no, propondo alianças de paz.
Eram eles: Bara, rei de Sodoma; Bersa, rei de Gomorra; Senaab, rei de Adama;
Semeber, rei de Seboim, e Segor, o rei de Bela. Por essa época, esses reis
pagavam tributos a Cordolaomor, rei de Elam, que, acompanhado pelos exércitos
de quatro outras cidades, os haviam subjugado no vale de Sidim junto ao mar
salgado.
Fortalecido pelas alianças, Samael tornou-se mais ousado
em suas investidas, levando o terror e a destruição aos territórios de cidades
distantes. Os exércitos de Cordolaomor e seus aliados que retornavam nesses
dias de outras conquistas, enfurecidos pelas provocações de Samael, marcharam
contra os quatro reis, vencendo-os novamente no vale de Sidim. Foi nessa
ocasião que levaram cativos os habitantes de Sodoma, entre os quais
encontrava-se o meu sobrinho Ló. Acovardados diante do furor dos cinco reis,
Samael e seus seguidores esconderam-se em suas cavernas, ao norte do mar
salgado.
Capítulo XI
Os doze meses contados a partir do grande sacrifício
estavam prestes a terminar. O cetro, totalmente restaurado, resplandecia em seu
estojo, enquanto o príncipe, igualmente restabelecido das feridas causadas pela
rebeldia, alegrava-se ao ver chegar o Yom Kipur de sua coroação. Enquanto isso,
ele compunha lindas canções que expressavam o seu amor por Salém. Naqueles doze
meses, a cidade da paz tornara-se mais bela, sendo adornada qual noiva para o
grandioso dia da coroação.
A uma semana para o Yom Kipur, Samael, totalmente
inconsciente de que o dia de seu julgamento se aproximava, reuniu os seus
seguidores, anunciando-lhes que a próxima missão seria a conquista de Salém.
Antes de avançarem, contudo, ele subiria sozinho para verificar os pontos
vulneráveis da cidade. Depois de ser aplaudido pela turba, Samael partiu em sua
missão de reconhecimento. Enquanto avançava sozinho, procurava não se lembrar
daqueles momentos que lhe trouxeram terror pela culpa, mas, dominado por uma
força superior, foi arrastado em suas lembranças para aquele monte da cruel
tortura.
Todo o seu passado começou a vir-lhe à lembrança, como
um peso esmagador. Quando despertou de suas lembranças, das quais não conseguiu
fugir, já era noite. A escuridão que o envolvia pareceu-lhe o prenúncio de um
triste fim. Esse desânimo, contudo, procurou bani-lo com a lembrança do
exército que o esperava, pronto para cumprir suas ordens, na conquista de
Salém, onde não haveria lembranças daquele pergaminho.
O alvorecer o alcançou próximo de Salém. Ao avistar o
monte das Oliveiras, veio-lhe à lembrança a última vez que o transpôs, deixando
para trás a cidade vencida. Quantas noites haviam passado desde então? Ele
perdera a noção de tempo, não sabendo que justamente doze meses haviam se
passado. Não podia imaginar que raiava naquela manhã o Yom Kipur, o dia de seu
julgamento. Ao chegar ao topo do monte das Oliveiras naquela manhã, Samael
surpreendeu-se ao ver que a cidade tornara-se mais bonita que outrora. Toda ela
estava adornada de ramos e flores, como uma donzela à espera de seu noivo.
Contudo, Salém estava abandonada, não havendo nenhum sinal de vida em todas as
suas mansões. Isto o fez concluir que os golpes, que haviam aniquilado o
príncipe e o cetro, trouxeram como conseqüência todo aquele abandono. Ele não
sabia, contudo, que naquele momento todos os remanescentes daquele reino,
encontravam-se ocultos no grande salão do palácio, aguardando pelo momento mais
glorioso da coroação de Melquisedeque.
Imaginando-se exaltado sobre o trono abandonado, tendo a
seus pés os exércitos vitoriosos, o rebelde penetrou na cidade, dirigindo-se
apressadamente ao palácio. Ao transpor o portal principal que dava entrada ao
salão principal, ficou surpreso ao ver ali reunida uma multidão de fiéis. Sobre
um áureo tablado, enfeitado de flores talhadas em pedras preciosas, encontra-se
o trono vazio. Na base do trono estava o pergaminho das leis, uma coroa de ouro
cheia de pedras preciosas e o estojo que deixara vazio naquela noite de
traição. Sem entender o enigma, Samael escondeu-se por trás de uma coluna,
temendo ser reconhecido, e ficou observando. Os súditos, com expressão de feliz
expectativa, olhavam para o trono vazio. Onde encontravam eles motivos para
toda essa alegria, se haviam perdido o seu rei juntamente com o cetro? Samael
questionava sobre esse mistério, quando Adonias, aplaudido pelos súditos,
encaminhou-se para junto do trono. Com voz cheia de emoção pela vitória, o
fundador de Salém anunciou que havia chegado o momento tão sonhado da coroação.
Um brado de triunfo ecoou pelos ares quando, anunciado pelo seu pai, entrou o
amado príncipe encaminhando-se em direção ao trono. Ao vê-lo coberto por um
manto de glória, Samael ficou possuído por um terrível pavor, e procurou fugir.
Descobriu, contudo, que todos os portais do grande salão estavam fechados por
fora.
Teve início a cerimônia da coroação. Era um momento
deveras solene. Adonias, num gesto reverente, tomou a rica coroa, colocando-a
na fronte de seu filho. Prostrando-se depois sobre o estojo, abriu-o
cuidadosamente, tirando dele o alaúde restaurado, cuja beleza e brilho eram
muito superiores à sua primeira condição, ao sair das mãos de Adonias o seu
luthier. Assentando-se no trono em meio às aclamações dos súditos,
Melquisedeque passou a dedilhar o cetro, tirando dele acordes de muita harmonia
e paz. Todos se aquietaram para ouvirem suas novas composições que expressavam
o seu profundo amor pelo cetro e por todo aquele reino de paz.
Grande emoção invadia o coração de todos naquele
momento, levando-os às lágrimas. Samael, sem forças para reagir, sentia-se
torturado por aqueles acordes que faziam reviver em sua mente suas
oportunidades perdidas, numa terrível dor para sua consciência. Melquisedeque
compusera para aquele momento especial, canções que retratavam os momentos
marcantes da história de Salém; Quando passou a cantar sobre a amizade que
tinha por Samael, sua voz embargou-se pelas lágrimas que não conseguia conter.
Triste para ele era cantar sobre a queda daquele que foi-lhe o maior amigo!
Cantou então sobre o alto preço que teve de pagar pela reconquista do cetro,
que representa a honra de Salém.
Ao contemplarem aquelas mãos marcadas pelas cicatrizes,
tocando com tanta maestria e carinho o cetro restaurado, os súditos tomados por
forte emoção, prostraram-se em pranto. Ao ver nas nãos de Melquisedeque aquele
alaúde que, em suas mãos fora instrumento de tortura, Samael compreendeu, tarde
demais o quanto errara, desviando-se dos conselhos do príncipe; Quantas vezes
aquelas mãos sobre as quais descarregara toda aquela violência haviam sido
estendidas num esforço de salvá-lo, e ele as havia negligenciado. Agora, era
tarde demais! Tarde demais!!!
Capítulo XII
Os súditos triunfantes que, reverentes, haviam sido
conduzidos a todo aquele passado de felicidade, traição, dor e triunfo, uniram
finalmente as vozes numa jubilosa proclamação:
- Verdadeiros e justos são os teus princípios, ó rei de Salém. Digno és de
reinar em glória e majestade entre os louvores de teus fiéis, porque em teu
sacrifício nos livraste das ameaças das trevas, fazendo renascer em nosso
coração a alegria do alvorecer.
Esse cântico de exaltação foi seguido pela cerimônia de
confirmação de todos os fiéis em sua vitória. O filho de Adonias, com o seu
cetro redimido, passou a selar com um toque especial do cetro, a vitória de
cada um. Formou-se para tanto uma longa fila de fiéis exultantes Os súditos
confirmados, à medida em que iam recebendo o toque de aprovação do rei, posicionavam-se
ao lado direito do trono, onde permaneciam aguardando pela confirmação dos
outros.
Os olhares que, iluminados de alegria, haviam
acompanhado o selamento dos últimos justos, pousaram sobre a figura estranha de
Samael que, dominado por uma força irresistível, encaminhava-se cabisbaixo em
direção do trono. Seu aspecto era horrível: seu semblante havia sido deformado
pelo mal; suas vestes estavam sujas e mal cheirosas; tudo nele repugnava, ao
ponto de ninguém reconhecê-lo. Em meio ao espanto dos súditos, Melquisedeque
ergueu-se de seu trono como que ferido por uma grande dor; de seus lábios os
súditos ouviram uma dolorosa exclamação:
- Samael, Samael!!!
A figura deplorável daquele que fora tão belo, encheu a
todos de tristeza, e começaram a prantear. Eles lamentavam por saber que o
destino de Samael e de todos aqueles que o seguiram, poderia ter sido muito
diferente, se eles houvessem atendido aos rogos de amor de Adonias e de seu
filho. Não era o plano do rei e o sonho de Melquisedeque tê-lo como o guardião
do pergaminho, sendo o segundo em honra naquele reino?
Samael que, reconhecendo sua desventura, aproximara-se
cabisbaixo do trono, ao presenciar toda aquela lamentação, foi novamente
iludido pelo orgulho, julgando tratar-se de uma demonstração de fraqueza de
seus inimigos. A lembrança de seu exército que fortalecido o aguardava na
planície, iludiu-o com a certeza de que seria vitorioso sobre Salém. Com esse
pensamento, ergueu a fronte marcada pelo ódio e, fitando o rei, levantou o
punho cerrado e o desafiou, desdenhando de sua autoridade, com a ameaça de
tomar-lhe o trono. Ainda que condoídos por sua perdição, os súditos de Salém
não suportaram a ousada afronta daquele enlouquecido jovem que, depois de
causar tanto sofrimento, ainda era capaz de erguer-se com tamanho desafio.
O vitorioso rei que com tanto prazer selara com o seu
cetro a conquista dos fiéis, ergueu-o dolorosamente para o selamento da triste
sorte dos rebeldes. Imobilizado por uma força estranha, Samael, sem desviar os
olhos do cetro, ouviu dos lábios do rei a proclamação de seu julgamento e de
todos os seguidores: Prisioneiros de uma força invisível, ficariam retidos em
suas cavernas por seis anos, sendo depois visitados pelo fogo do juízo que os
destruiria juntamente com as cidades que a eles se aliaram.
Capítulo XIII
Ao ir para a cama depois daquele dia de tantas emoções,
o jovem rei, imerso nas lembranças daquele passado de felicidade e dor, rolava
em sua cama insone. Quando finalmente adormeceu, teve um sonho muito
significativo. No sonho, apareceu-lhe um anjo luminoso, que saudou-o com um
sorriso, dizendo-lhe que todo o Universo acompanhava com atenção aquele drama
que estavam vivendo, e que o mesmo tinha um sentido prefigurativo, retratando
acontecimentos passados e futuros, que envolvia todo o vasto universo.
As palavras do anjo despertaram em Melquisedeque um
grande desejo de conhecer a história desse drama cósmico. Conhecendo o seu
anseio, o anjo arrebatou-o no sonho revelando-lhe um distante futuro. Diante de
seus olhos manifestaram-se as glórias de uma nova e esplêndida Salém, cujas
muralhas e mansões eram de pedras preciosas; os portais da cidade eram de
pérolas. Suas amplas avenidas eram de ouro puro. A cidade era quadrangular e se
estendia por centenas de quilômetros. Estava dividida em dois setores
distintos: Norte e Sul. Ao Sul elevavam-se incontáveis mansões, habitações
eternas de anjos e de seres humanos redimidos. Ao Norte havia um lindo paraíso
ao qual o anjo revelou ser o jardim do Éden. Ali, em ambas as margens do rio da
vida, havia campos repletos de todo tipo de vegetação, com flores e frutos em
abundância. Viviam ali em perfeita harmonia, todas as espécies de aves e
animais.
No meio do paraíso podia-se ver uma montanha fulgurante,
a qual o anjo afirmou ser o monte Sião, o lugar do trono de Deus. Era daquele
monte que emanava o rio da vida, fluindo por toda a cidade. Quando alcançaram o
topo da montanha sagrada, o rei de Salém ficou deslumbrado com o cenário visto
ao seu redor. Encontrava-se na parte mais elevada de Sião a mais linda de todas
as edificações revelado pelo anjo como o palácio de Deus. Aquela magnífica
construção era sustentada por sete colunas, todas de ouro transparente,
engastadas de lindas pérolas. Ao redor do palácio, floresciam a mais exuberante
vegetação: havia ali o pinheiro, o cipreste, a oliveira, a murta, a romãzeira e
a figueira, curvada ao peso de seus figos maduros.
Enquanto admirava-se ante a beleza daquele lugar, o anjo
disse-lhe que a nenhum ser humano fora dado o privilégio de ver o interior
daquele palácio de Deus. A ele seria dada esta honra, pois fora escolhido para
ser o portador das mais amplas revelações sobre o reino da luz. Ao transporem
com reverência um dos portais de pérolas, prostraram-se em adoração, enquanto
ouviam o cântico de uma multidão de serafins, que circundavam o trono, em
constante louvor Àquele que Era, que É e que Sempre Será. Ao olhar para Aquele
que estava assentado sobre o trono, Melquisedeque ficou surpreso ao descobrir a
figura de um homem. Ele estava coberto por um manto de linho fino, de uma
alvura sem igual, e tinha sobre a cabeça uma coroa formada por sete coroas
sobrepostas, repletas de pedras preciosas.
Ao olhar para as mãos que sustentavam o cetro, o filho
de Adonias ficou surpreso ao descobrir nelas cicatrizes de ferimentos,
semelhantes àquelas em suas mãos. O anjo afirmou-lhe ser o Messias, o Grande
Melquisedeque, a manifestação visível de Yahweh, o Deus Invisível. Atraído para
o cetro resplandecente, com o qual o Messias governava sobre todo o Universo, o
rei de Salém viu nele o selo do domínio, e nele escrito o nome: Israel. Tomado
por profunda emoção, Melquisedeque prostrou-se ante o Rei daquela eterna Salém,
e, revivendo ali a história de sua pequena cidade, teve desejo de conhecer o
grande drama da história universal. Conhecendo o desejo de seu coração, o anjo
disse-lhe:
- Agora lhe farei conhecer a história desta gloriosa Salém. Tudo o que lhe
for mostrado na visão, você deverá registrar fielmente em um rolo. Você terá
seis anos para escrevê-los. Ao fim dos sete anos, você receberá das mãos de um
ancião um vaso contendo um rolo especial, com muitas revelações importantes,
entre as quais estará a história de Salém. Você tomará esse rolo, e o costurará
ao seu, formando um único rolo. Você o devolverá juntamente com o vaso ao
patriarca para que ele o leve ao lugar que lhe mostrarei, onde ficará oculto
até o fim dos dias. As revelações desse grande rolo, consistirão na luz e no
consolo que enviarei aos escolhidos por ocasião da última semana de anos da
história.
Depois de falar ao rei de Salém estas palavras, o anjo
conduziu-o em visão a um infinito passado, quando o Universo ainda não existia.
Uma história muito parecida com a de Salém passou a desdobrar-se diante de seus
olhos; porém, numa dimensão infinitamente maior, começando pela criação do
reino da luz. Com admiração contemplou a formação de bilhões de mundos e
estrelas, repletos de vida e felicidade que passaram a girar em torno da Salém
Celeste, o paraíso de Deus. Sua atenção voltou-se depois para o mais belo de
todos os querubins que, honrado pelo Criador, passou a residir com Ele em Seu
palácio. Uma eternidade de felicidade e paz parecia embalar aquele reino,
quando a mesma experiência de egoísmo e rebeldia vivida por Samael, começou a
repetir-se na vida daquele anjo amado. Cenas de uma grande rebelião começaram a
ser mostradas a Melquisedeque, envolvendo todos os habitantes do Universo. O
querubim honrado, semelhante a Samael, seduzira um terço das hostes que,
passaram a reverenciá-lo como rei.
Em meio às cenas daquele grande conflito, o rei de Salém
testemunhou a criação do planeta Terra, sobre a qual surgiu o homem como cetro
racional daquele reino disputado. Com agonia viu o momento em que o chefe da
rebelião aproximou-se subtilmente do paraíso, apossando-se do ser humano,
depois de seduzi-lo com tentações. Ouviu então o seu brado, numa proclamação de
vitória. A partir daquele momento, o inimigo de Deus passou a arruinar o ser
humano, apagando nele todos os traços da glória divina, como Samael fizera com
o cetro.
A sua própria experiência, ao declarar naquela manhã aos
súditos de Salém sua decisão de ir em busca do cetro perdido, começou a
repetir-se diante de Seus olhos. Reunindo as hostes que haviam permanecido
fiéis ao Seu governo, o Criador passou a revelar um plano de resgate: Ele
haveria de ir em busca do homem, e o remiria, ainda que isto lhe custasse
infinito sacrifício. Diante desta revelação, o filho de Adonias prostrou-se
comovido, ao descobrir que em sua vida tivera a honra de retratara o próprio
Messias.
Todo o drama vivido pelo filho de Adonias em sua
angustiante busca, até o momento de seu suplício pela redenção do cetro, foi
ganhando amplitude naquela visão que abarcava toda uma eternidade. Diante de
seus olhos desfilavam cenas de uma grande batalha que, sem trégua se estenderia
até o dia do juízo final, quando o Messias, o Grande Melquisedeque, vitorioso,
empunharia o cetro redimido, selando com ele a condenação de todos os filhos de
Belial..
Capítulo XIV
Através das revelações recebidas do anjo, Melquisedeque
tomou conhecimento do livramento alcançado por ocasião de sua coroação, quando
diante de trezentos pastores com seus vasos incendiados, exércitos de cinco
reis tombaram, saindo livres os cativos. Conhecendo nossa intenção de subir à
Salém por ocasião de Sukot, o rei fez preparativos para uma grande festa, na
qual comemoraríamos juntos a vitória sobre toda a desarmonia gerada pelo
orgulho e pelo egoísmo. Foi por isso que ao chegarmos a Salém, ficamos
surpresos com toda aquela honrada recepção.
Ocupar-me com o relato de todos esses acontecimentos,
fez-me passar por todo este sétimo ano, quase sem notar os seus dias, que
passaram velozes. Estamos hoje às portas de um novo Rosh Hashanah, quando os
300 pastores tocarão os chifres, convocando todos aqueles que possuem as
pérolas, para a reunião solene de Yom Kipur. Cinco dias depois seremos
recebidos em Salém para a festa de Sukot. A certeza de que acontecimentos
importantes ainda deverão ser relatados neste rolo, fez-me reservar um espaço,
no qual registrarei, dia após dia, os fatos, até a consumação desta história
que estamos vivendo.
Rosh Hashaná! Esse foi o dia mais feliz de minha vida,
pois meus braços puderam receber o filho da promessa. A primeira coisa que fiz,
foi colocar-lhe em sua mãozinha direita a Segunda pérola que o Messias deu a
Sara no dia de sua conversão; Ele a segurou com firmeza, alegrando-nos com a
certeza de que viverá para sempre ao nosso lado. Dois dias antes do Yom Kipur,
Isaque foi circuncidado, conforme a ordem do Eterno. Desde que os pastores
começaram a tocar seus chifres em Rosh Hashanah, todos aqueles que possuem
pérolas do vaso, deixaram suas tendas, dirigindo-se em pequenos grupos, para
junto do Carvalho de Mambré.
Ao chegar o Yom Kipur, o dia da reunião solene, meus
pastores informaram-me que todos aqueles que haviam recebido as pérolas, haviam
comparecido ao encontro, não faltando nenhuma pessoa. É maravilhoso ver a
alegria estampada no semblante de toda essa multidão que anseia pela subida à
Salém. Todos trazem uma história para contar, de como foram vitoriosos sobre
tantos desafios e provações. Todos estão felizes com a expectativa da subida à
Salém para a festa de Sukot.
No primeiro dia da festa de Sukot, a multidão foi
subdividida em pequenos grupos de doze pessoas, para subirmos em ordem à Salém.
Tendo sobre os ombros o vaso com o rolo, posicionei-me à frente da multidão,
sendo seguido por Sara e Isaque que vinham montados num camelo; Logo atrás
vinha Ló e suas filhas; um pouco atrás, os trezentos pastores seguidos por
todos os fiéis.
Iniciávamos nossa escalada quando, acompanhado por todos
os seus súditos, surgiu Melquisedeque vindo ao nosso encontro, fazendo vibrar
pelos ares o som festivo de muitos instrumentos musicais, comemorando a grande
vitória. Depois de saudar-nos, o filho de Adonias conduziu-nos numa marcha
festiva até adentrarmos os portais de Salém, que encontra-se agora mais bonita
que outrora. Antes de iniciar o banquete, Melquisedeque coroou todos os
vencedores, enquanto as hostes de Salém faziam soar seus instrumentos,
comemorando a feliz vitória..
Grande foi a alegria do rei de Salém quando
entreguei-lhe o jarro com o manuscrito. Ao desenrolá-lo, fiquei surpreso ao ver
sua atenção voltar-se para a última parte do rolo que ainda estava vazia. Como
se estivesse lendo algo ali, ele me disse:
- Abraão, de tudo o que você escreveu , nada me comove mais do que o relato
que você registrará na última parte de seu manuscrito.
Melquisedeque mostrou-me em seguida um rolo escrito por dentro
e por fora, no qual escrevera naqueles seis anos a história do Universo,
conforme revelações feitas a ele por um anjo. Tomando o meu manuscrito, ele o
costurou ao seu formando um grande rolo. Tendo feito isto, enrolou-o
cuidadosamente, colocando-o dentro do jarro.
Ao chegar o oitavo dia da festa, num ato que surpreendeu
a todos, o rei enalteceu o jarro, colocando-o sobre o seu trono. Ao ver o vaso
que fora tão humilhado e rejeitado, agora glorificado em meio aos louvores de
Salém, senti uma forte emoção e chorei; Era impossível olhar para ele, sem
pensar no seu significado: era um perfeito símbolo do Messias prometido. Por
intermédio dele, muitas vidas haviam sido libertas e transformadas, começando
pela minha. Sem o dom daquele vaso, eu não teria hoje em meus braços meu
querido Isaque pelo qual Sara e eu esperamos por tanto tempo.
Depois de entronizar o jarro, o filho de Adonias,
chamando-me para junto do trono, passou a honrar-me perante todos os fiéis;
Tomando a caixinha de ouro na qual colocara as 144 pérolas do dízimo, ele
colocou-a em minhas mãos, afirmando ser um presente seu para Isaque. Como se
não bastasse, ele tomou o vaso que continha o valioso rolo e, colocando-o aos
meus pés, disse que ele pertencia a mim e aos meus descendentes para sempre.
Com o coração repleto de alegria, prostrei-me diante do rei que me oferecia tão
precioso dom, estendendo-lhe as mãos com a caixinha das pérolas. Tomando-a de
minhas mãos, ele a colocou dentro do jarro sob o rolo, reafirmando sua doação.
Capítulo XV
Ao dirigir-me ao aposento naquela noite, tendo ao meu
lado Sara, Isaque e o jarro com o seu tesouro, experimentava uma felicidade
jamais sentida em toda a minha vida. Como me era difícil pegar-me ao sono,
fiquei acordado por longo tempo, imaginando o futuro de glória de Isaque e do
jarro, cuja mensagem de amor, justiça e paz, levaria esperança aos meus
descendentes por todas as gerações, até a vinda do Messias. Imaginando esse
futuro feliz adormeci e tive um sonho no qual muito sofri. No sonho, o Eterno apareceu-me
e disse:
- Abraão, toma agora o jarro o qual tanto amas, e leva-o ao Mar Salgado,
onde lhe mostrarei uma caverna na qual você o ocultará
Depois de dar-me esta ordem, o Eterno entregou-me uma
machadinha e um manto de linho, com o qual envolvi o vaso. Comecei então uma
dolorosa jornada, levando sobre os ombros aquele que simbolizava a
concretização de todos as minhas esperanças. Quando cheguei à região norte do
mar, fui conduzido para junto da caverna que deveria ocultar o jarro.
Colocando-o sobre uma pedra, num gesto de despedida, passei a acariciá-lo,
enquanto contemplava os adornos e inscrições que o embelezavam; o pensamento de
que não mais o teria comigo, enchia-me de profunda tristeza. Meus olhos
voltaram-se para a figura de Melquisedeque que inclinava-se para receber
recebê-lo repleto de jóias. De repente a figura do rei começou a ganhar vida e
movimento, e foi crescendo até que todo o jarro transformou-se num belo jovem
que me olhava com amor. Pensei a princípio que fosse o rei de Salém, mas olhando
para suas mãos, não encontrei as cicatrizes. Ao ver que seus olhos eram tão
parecidos com os de Sara, perguntei-lhe o nome. Ele respondeu-me com um sorriso
que era Isaque, o meu filho.
Alegrava-me na presença de Isaque, quando a voz divina
novamente soou-me aos ouvidos dizendo:
- Abraão, toma agora o teu filho a quem amas, e sacrifica-o com a
machadinha que eu te dei(1)
Aterrorizado ante a ordem divina, caí aos pés de Isaque,
não encontrando forças nem coragem para realizar o terrível ato. Contudo, ele
consolou-me, afirmando estar disposto a cumprir a vontade divina. Depois de
terrível luta íntima, tomei a decisão de sacrificar meu filho. Ao erguer-me, vi
que Isaque contorcia-se em grande agonia, enquanto o seu corpo tornava-se
coberto de chagas que cheiravam mal. Sentia desejo de socorrê-lo, curando-lhe
as chagas, mas a voz insistia em sua ordem, para que eu o sacrificasse. Tomei
então a machadinha e a ergui sobre o seu pescoço. Quando meus braços moviam-se
para o golpe, um forte clarão nos iluminou, e senti que a machadinha não mais
estava em minhas mãos.
Ao erguer a fronte, me deparei com o peregrino que
anunciara o nascimento de Isaque. Ele estava vestido com vestes brilhantes, de
linho fino, branco e puro; Seu rosto brilhava como o sol, enquanto olhava-me
com infinito amor. Abraçando-me, ele enxugou minhas lágrimas e disse:
- Abraão, agora sei que você verdadeiramente me ama, porque não me negou
nem o jarro nem o seu filho a quem você ama. Por causa desse amor, eu
transformarei você no pai da fé, e muitos povos e nações se alegrarão na luz do
rolo que lhe foi dado.
Tendo dito estas palavras, o Peregrino encaminhando-se
para Isaque que contorcia-se em dor, colocando as mãos sobre sua cabeça. Esse
contato fez com que todas as impurezas que manifestavam-se em chagas purulentas
no corpo de meu filho, se transferissem para o Seu corpo, enquanto a Sua glória
era transferida para Isaque. Fiquei possuído por um misto de alívio e pesar -
alívio por ver Isaque restaurado, mas aflito por contemplar o Messias opresso
por tantas culpas. Por entre gemidos de dor ele afirmou:
- Eu morrerei, para que Isaque e sua descendência possa ser justificada,
redimida e glorificada perante Yahweh.
Ao voltar-me para o meu filho que fora liberto, vi que
seu lugar fora ocupado por doze jovens que se chamavam: Rúben, Simeão, Levi,
Judá, Issacar, Zebulon, José, Benjamim, Dã, Naftalí, Gad, Aser. Quando lhes
apresentei o Peregrino sofredor, eles o menosprezaram por não verem nele
nenhuma beleza que os atraíssem. Finalmente eles o conduziram como um cordeiro
e o sacrificaram, lançando o seu corpo dentro daquela caverna.(2)
Sobrevieram logo depois as trevas de uma longa noite, na
qual fomos atacados por um grande exército que, depois de ferir-nos,
arrancou-nos de nossa terra, espalhando-nos por entre as nações. Ali, todos os
que nos encontravam nos humilhavam e perseguiam, acusando-nos da morte do
Peregrino, e assim sofremos por toda a noite. Quando o dia estava quase
raiando, sobreveio-nos o maior sofrimento, pois nossos inimigos, depois de uma
pequena trégua, investiram sobre nós com a intenção de nos destruir
completamente. O Eterno, contudo, bendito seja o Seu nome, teve compaixão de
nós e nos libertou, reconduzindo-nos para a Terra Prometida. Mas mesmo ali não
encontramos descanso, pois tínhamos de estar sempre atentos, defendendo-nos de
muitos inimigos que procuravam nos destruir.
Cansados desses conflitos, nos aproximamos de nossos
inimigos propondo uma aliança de paz; quando o acordo estava prestes a se
concretizar, um desentendimento envolveu-nos num conflito ainda maior. Enquanto
ouvíamos gritos de todos os lados clamando contra nós, vimos baixar as trevas
de mais uma escura noite. Angustiados, passamos a clamar ao Eterno, dizendo:
- Até quando Senhor buscaremos a paz e não a acharemos?! Ansiamos pelo
descanso que nos prometestes, mas somente encontramos o furor de nossos
inimigos! Auxilia-nos Senhor! Até quando teremos de esperar?!
Enquanto clamava em minha angústia, o Senhor veio ao meu
encontro e disse-me:
- Abraão, olha para o céu e conta o número das estrelas.
Ao olhar para o céu, vi que as estrelas moviam-se
formando pequenos grupos de doze. Esses grupos por sua vez, juntavam-se de doze
em doze, em formações perfeitas de 144 estrelas. Finalmente todo o céu
cobriu-se por esses agrupamentos estelares: eram ao todo 40 grupos, somando um
total de 5760 estrelas. Enquanto imaginava o que poderia significar o número
daquelas estrelas, vi surgir no meio delas outra especial que foi aumentando em
brilho e grandeza. A sua luz crescente, deu-me a certeza de que aquela noite
seria finalmente vencida, e alcançaríamos um alvorecer de paz. A estrela de
número 5761 continuou aumentando até que tornou-se do tamanho da Lua, e nela
pude ler em letras muito brilhantes a palavra: Sábado, e abaixo, o nome de Israel.
Quando os raios que emanavam das letras sagradas
começaram a penetrar as trevas da noite, atraindo a atenção de muitos sobre a
Terra, ventos fortes vindos do Norte começaram a soprar, trazendo pesadas e
negras nuvens em direção da estrela. Formou-se um cerco de trevas, enquanto
camadas sobre camadas de nuvens foram comprimindo a estrela que, sem forças
para resistir, foi-se apagando até que mergulhou em completa escuridão. Com o
coração aflito, continuei olhando na direção da estrela oculta, sem perder a
esperança de que ela seria liberta das garras daquelas nuvens ameaçadoras.
Em diferentes partes do céu escurecido pelas nuvens,
começaram a surgir pontinhos de luz que foram se
agrupando de sete em sete, até alcançarem o total de 483
estrelas. Sem temerem as ameaças das nuvens escuras, elas foram-se aproximando
mais e mais até formarem um anel de luz em torno da estrela opressa. O brilho
dessas pequenas estrelas fez renascer a esperança de um livramento, e a estrela
cativa emitiu por entre as nuvens um tênue raio de confiança.
Ao estreitarem-se cada vez mais em torno da estrela
escurecida, as 483 estrelas se fundiram finalmente a ela, comunicando-lhe sua
luz. Nesse momento, um grande clarão tomou conta do céu, e todas as nuvens
foram desfeitas, perdendo o seu domínio. A junção de todas essas estrelas, deu
origem a uma estrela de incomensurável esplendor, semelhante ao Sol. Em forma
de uma coroa que pairava sobre ela, podia-se ler: Yom Kipur - É chegado o Último Jubileu.
Assim que surgiu no céu a estrela do Último Jubileu, veio ao nosso encontro
um pequeno beduíno, carregando sobre os ombros um pesado jarro. Sua face estava
marcada por uma grande luta, mas refletia a luz da estrela que lhe dava consolo
e indizível alegria. Em seu jarro estava escrito em grandes letras o seguinte: “Caiu! Caiu a grande Babilônia! Sai dela
povo meu! (3)
Aproximando-se dos doze filhos de Israel, o pequeno
beduíno saudou-os com um sorriso, e disse-lhes que viera de muito longe,
trazendo-lhes uma mensagem e um presente da parte do Rei de Salém. Curiosos,
mas ao mesmo tempo desconfiados, eles assentaram-se e ficaram esperando,
enquanto o beduíno enfiava suas mãos no jarro. A primeira coisa que ele tirou
dali foi um pequeno manuscrito com uma mensagem intitulada: O Último Jubileu: Um Texto Sobre
Melquisedeque. Os doze olharam entre si surpresos, pois o título da carta
estava relacionado com as palavras escritas na última estrela. Ansiosos por
conhecerem o conteúdo do manuscrito, eles o tomaram e passaram a ler as seguintes
palavras:
- “Falarei sobre o Ano Jubileu, que encontra-se em Levítico 25:13. Nós
lemos: Neste Ano Jubileu, tornará cada um à sua possessão”. Esta é uma parte do
mandamento que cumprir-se-á nos últimos dias, no Período da Remissão, quando
aqueles que estão em cativeiro serão libertos, conforme as palavras de Isaias:
“O Senhor enviou-me para proclamar libertação aos cativos.”(3)
- O Libertador é o Messias, que foi prefigurado por Melquisedeque, rei de
Salém. Ele era e sacerdote do Deus Altíssimo, e pronunciou uma benção sobre o
nosso pai Abraão. Como Sumo Sacerdote, o Messias que é nosso eterno
Melquisedeque, receberá por herança o domínio sobre todas as coisas, e Abraão
tomará parte nesta herança. Não somente Abraão, como também sua descendência
terá esse privilégio, quando ela se unir a Deus numa eterna aliança. Naquele
tempo, o próprio Senhor será a herança e patrimônio de Seu povo. No último
jubileu, Deus restaurará o Seu povo, e eles retornarão, cada um, ao seu
patrimônio. A libertação referida na Lei do Jubileu deve ser entendida com o
sentido de remissão de suas culpas, e não haverá mais punição para aqueles que
forem justificados. Isto ocorrerá na última semana de uma série de setenta
semanas de anos, envolvendo nove precedentes jubileus.(5)
- Ao chegar o Dia do Juízo do Último Jubileu, todos aqueles que se colocam
do lado da justiça, terão suas culpas anuladas, ao passo que os injustos e maus
colherão as conseqüências de tudo o que semearam, e encontrarão o seu fim. (6)
- Começará então o Ano do Favorável, do qual fala o profeta Isaias (61:2),
que será marcado pelo Favor de Deus, pois o Rei da Justiça, Aquele que foi
prefigurado por Melquisedeque, receberá o Seu domínio. Ele assentar-se-á entre
as hostes santas no Céu, e executará várias sentenças de julgamentos, como foi
predito por Davi: “Deus assentou-se em concílio entre os seres celestes, para
realizar julgamento”.(7) Por meio desse julgamento, Israel será absolvido de
suas culpas, e retornará ao seu lugar de eminência em meio aos povos. Esse
retorno ocorrerá em cumprimento da Lei do Jubileu.
- Ao mesmo tempo em que a palavra “Favor” indica o triunfo dos filhos de
Deus, ela aponta também para a destruição dos ímpios. Salmos 7: 9 e 10 faz
referência a esse julgamento, dizendo: “Deus é o juiz dos povos. Põe fim à
maldade dos ímpios e confirma o justo”. Serão desarraigados todos os filhos de
Belial, aqueles que desafiam os estatutos de Deus, e pervertem a justiça. O
futuro Rei da Justiça, que é Melquisedeque (o Messias) executará sobre eles a
justiça de Deus, estabelecendo ao mesmo tempo os justos. Acompanhado pelos
exércitos celestes, ele dará fim aos intentos dos ímpios, fazendo com que os
filhos de Deus fiquem em eminência. O julgamento em questão é o mesmo Dia da
Retribuição do qual fala o profeta Isaias: “Como são belos sobre os montes os
pés daquele que proclama a paz (Shalom), o mensageiro que anuncia coisas boas,
que faz ouvir a salvação; que diz a Sião: O teu Deus agora é aclamado Rei.”(8)
A palavra paz (shalom) pode também ser lida como (shillum) que significa
“retribuição”.
- O mensageiro prometido se manifestará no Último Jubileu, e proclamará a
sua mensagem de paz, dizendo: “ O Senhor enviou-me para confortar todos os que
choram.” (9) O conforto que ele trará, consistirá numa revelação das sucessivas
eras da história do universo, desde o princípio da criação até o fim. Naquele
tempo, os filhos de Belial se aliarão com o propósito de perverter toda a
justiça, mas serão confundidos pelos julgamentos de Deus.
- O reino de Deus em Sião, será estabelecido mediante a aliança que
Melquisedeque ( o Rei da Justiça) fará com todos os justos , destruindo ao
mesmo tempo os filhos de Belial. O mandamento do jubileu fala também de um
forte som de trombeta que repercutirá por toda a terra, no dia dez do sétimo mês.(10)
Aplicando-se aos últimos dias, isto se refere à uma poderosa manifestação
divina que sacudirá o mundo, preparando-o para a Era Messiânica” (*)
(*) O texto em destaque é uma tradução livre do
manuscrito original encontrado na Gruta 11 de Qunram, em janeiro de 1956, por
beduínos da tribo de Taamireh.
Depois de lerem com atenção as promessas contidas no
pergaminho, os doze voltaram-se para o beduíno que, curvando-se sobre o jarro,
tomou um grande rolo de pele de cordeiro, escrito por dentro e por fora. Antes
de entregar-lhes, afirmou que a mensagem de consolo prometida no manuscrito que
acabavam de ler, estava contida naquele rolo especial. Ao abrirem-no, vi que
era o Livro de Melquisedeque, composto pelo manuscrito do rei de Salém e pelo
meu. A leitura dos relatos ali contidos comoveu-os profundamente, levando-os a
compreenderem que aquele a quem menosprezaram e entregaram para a morte, era o
Messias prometido, o grande Melquisedeque que, em virtude de seu sacrifício, os
libertara naquele Último Jubileu.
Cheios de arrependimento, choraram amargamente, mas
foram consolados pelas revelações contidas no manuscrito do rei, onde as
sucessivas eras da história eram contadas em ricos detalhes, desde o princípio
da criação até aquele tempo.
Ao terminarem a leitura do Livro de Melquisedeque, os
doze prostraram-se reverentes, e louvaram ao Eterno pelo consolo que lhes
enviara, através de tão humilde mensageiro. Curvando-se sobre o jarro, o menino
tomou uma caixinha de ouro ornamentada com pedras preciosas, na qual haviam 144
pérolas de variados tamanhos. Afirmando ser um presente de Melquisedeque para
eles, o beduíno passou a distribuí-las, doze para cada, começando por Rúben.
Aquelas pérolas simbolizavam a vitória que haviam alcançado mediante a
concretização de uma nova e eterna aliança com o grande Melquisedeque, que é o
Messias.
Depois de louvarem ao Eterno pelas pérolas que selavam a
vitória alcançada, os doze, num gesto de reconhecimento e gratidão, passaram a
honrar o humilde beduíno que, por meio de lutas e sacrifícios, resgatara das
trevas todos aqueles tesouros, para ofertar-lhes naquele Jubileu. Representando
os seus irmãos, Rúben, o primogênito, tomou um de seus melhores mantos e cobriu
o corpo desnudo do menino. Aquecido por aquele manto que simbolizava sua maior
conquista, o beduíno emocionou-se ao ver que ele trazia, do lado de seu
coração, um distintivo precioso, com a gravura de uma cruz vermelha da qual
saiam raios dourados. Isto fez com que reconhecesse que toda aquela honra
recebida, pertencia ao Messias que resgatou-o das profundezas de uma caverna,
conduzindo os seus passos através de caminhos perigosos e solitários, até que
pudesse entregar aos filhos de Israel os tesouros contidos no jarro. Ele devia
também aquela conquista aos seus três irmãos, sem os quais não teria encontrado
aquele presente do rei de Salém. A lembrança de seus irmãos o fez chorar de
saudade, e desejou muito beijar suas faces, compartilhando com eles toda a
honra recebida.
Num gesto surpreendente que consolou o coração do menino,
Rúben tomou três de suas pérolas mais
brilhantes e, colocando-as numa caixinha vermelha, entregou-as ao menino
e disse:
- Estas pérolas são para os seus irmãos.
Logo depois surgiram ao longe a figura de três beduínos
que caminhavam ao nosso encontro, trazendo jarros em seus ombros. Quando os
viu, o menino alegrou-se ao descobrir que eram os seus irmãos. O mais velho
tinha em seu jarro uma inscrição que dizia: Temei
a Deus e dai-lhe glória, pois é chegada a hora de seu juízo.(11) O segundo
trazia no vaso a mesma inscrição contida no jarro do menino, porém em letras
menores e menos brilhantes: Caiu, caiu a
Grande Babilônia!(12) O terceiro carregava um vaso um pouco maior que os
dois anteriores, e nele estava escrita uma advertência: Se alguém adorar a besta ou a sua imagem, e receber o sinal na fronte,
ou na mão, também o tal beberá do vinho da ira de Deus, que se acha preparado
sem mistura, no cálice da sua ira; e será atormentado com fogo e enxofre diante
dos santos anjos e diante do Cordeiro. Abaixo desta advertência, em grandes
letras lia-se o seguinte: Aqui está a
perseverança dos santos, daqueles que guardam os mandamentos de Deus e tem a fé
do Messias.(13)
Quando eles viram o seu irmão mais novo em honra perante
os filhos de Israel, correram ao seu encontro e prostraram-se, depondo os seus
jarros aos seus pés. Em grande pranto revelaram o seu arrependimento pelo
desprezo e sofrimentos pelos quais o fizeram passar. O pequeno beduíno
inclinando-se para os seus irmãos com amor, beijou-lhes as faces, e falou-lhes
que tudo o que lhes acontecera, fora para o bem. Depois de consolarem-se, os
filhos de Israel prepararam um banquete em homenagem ao pequeno beduíno e aos
seus irmãos. No banquete o rolo foi mais uma vez aberto, e todos alegraram-se
com sua mensagem. Quando estavam quase ao fim da festa, o menino honrou os seus
irmãos na presença de todos, dando-lhes as pérolas recebidas de Rúben. O mais
velho recebeu a pérola menor, o do meio a pérola de tamanho médio, e o mais
novo a maior. Eles ficaram felizes ao receberem aquelas jóias que simbolizavam
sua vitória.
Todos tinham agora suas pérolas, menos o menino, cuja
alegria consistia em ver os filhos de Israel e seus irmãos enriquecidos pelos
presentes do Rei. A maior e mais brilhante de todas as pérolas, contudo, Rúben
separara para ele. Quando a recebeu, seu coração transbordou de indizível
alegria, vendo nela o símbolo de seu triunfo. Na pérola havia três inscrições:
Melquisedeque, Eliahu Hanavi e Nova Jerusalém.
Depois da festa, o pequeno beduíno procurou pelo seu
jarro, e ficou surpreso ao encontrá-lo repleto de
pérolas. Com muito esforço, tomou-o em seus braços,
levando-o para junto de seus irmãos que tinham os seus jarros vazios. Começando
pelo primogênito, ele foi compartilhando o tesouro, até que todos os vasos se
encheram com aquelaslindas pérolas.
Renascidos pelo arrependimento e movidos pela gratidão, os três beduínos
juntamente com os doze filhos de Israel, seguiram os passos do menino na
realização de uma importante obra sobre a Terra: Sua missão seria abrir perante
o mundo o Rolo de Melquisedeque, oferecendo a todos quantos aceitassem sua
mensagem, aquelas pérolas que simbolizam a vida.
Durante seis anos a humanidade teria a oportunidade de
conhecer a mensagem do rolo, e as advertências escritas naqueles jarros,
apossando-se das pérolas da salvação. Ao fim dos seis anos, os jarros se
esvaziariam e o rolo seria fechado. Enquanto os anos da oportunidade se
escoavam, multidões acorriam de todas as partes em busca da mensagem do rolo e
das pérolas. Olhando para os céus, descobri que a cada novo ano que era
representado por um dia da semana, uma nova estrela surgia ao lado da estrela
do jubileu, iluminando cada vez mais a Terra com a sua glória. Ao fim dos seis
anos de oportunidade, o mundo achava-se dividido em duas classes de pessoas: os
possuidores das pérolas da salvação, que são chamados filhos de Deus, e os que
rebelaram-se contra a mensagem do rolo, os filhos de Belial.
Ao expirar-se o tempo da oportunidade, no momento em que
as seis estrelas do jubileu enchiam toda a Terra com sua claridade, soou uma
voz desde os céus, dizendo: Está
Consumado! Quem é injusto , faça injustiça ainda; e quem está sujo, suje-se
ainda; quem é justo, faça justiça ainda, e quem é santo, santifique-se ainda.
Eis que cedo venho, e esta comigo a minha recompensa, para retribuir a cada um
segundo a sua obra. Eu sou o Alfa e o Ômega, o primeiro e o derradeiro, o
princípio e o fim. Bem aventurados aqueles que lavam as suas vestiduras no
sangue do Cordeiro, para que tenham direito à árvore da vida, e possam entrar
na cidade pelas portas. Ficarão de fora os feiticeiros, os adúlteros, os
homicidas, os idólatras e todo o que ama e pratica a mentira.(14)
Quando o Messias, que é Melquisedeque, proclamou o
decreto, o rolo foi fechado, pois não havia mais pérolas nos jarros.
Subitamente as seis estrelas se apagaram, mergulhando o mundo em completa
escuridão. Surgiu então no céu uma estrela vermelha, cujos raios traziam luz e
proteção para os filhos de Deus, ao passo que para os ímpios traziam trevas e
sofrimento. Isto fez com que eles blasfemassem contra Deus, levantando-se
contra os Seus redimidos No momento mais
difícil, quando as mãos dos ímpios pesavam sobre os justos prestes a destruí-los,
a Terra foi sacudida por um grande terremoto.(15) Em meio às nuvens negras, surgiu o brilho de uma estrela que
foi crescendo rapidamente, até cobrir todo o céu. Hozanas de vitória ecoaram
por todas as partes, quando os remidos contemplaram a face do Messias que vinha
em seu socorro, acompanhado pelos exércitos dos céus. Diante de sua presença
majestosa, os ímpios fugiram, mas foram consumidos pelo fogo.(16)
O Messias fez soar sua trombeta, e todos os justos
mortos ressurgiram com corpos perfeitos e imortais. Logo depois, os justos
vivos foram transformados, recebendo, igualmente, corpos incorruptíveis.
Acompanhados pelos anjos, fomos arrebatados para o encontro com nosso Rei e
Redentor nos ares. Ele nos recebeu com indizível alegria, e nos conduziu numa
viagem inesquecível rumo à Nova e Eterna Jerusalém. (17)
Ao entrarmos na Cidade Santa, ficamos deslumbrados
diante de tantas maravilhas. Fomos conduzidos ao paraíso, onde fora preparado
um grande banquete para nós Ali, diante do trono, em meio às hosanas
angelicais, fomos coroados pelo Messias, recebendo um reino de paz que jamais
findará. Enquanto desfrutava as delícias do Éden, acordei e vi que tudo fora um
sonho. Levantando-me, tomei Isaque nos braços e, sentando-me do lado do jarro,
os acariciei até o alvorecer, enquanto relembrava as cenas marcantes de meu
sonho.
Ao encontrar-me com Melquisedeque naquela manhã, desejei
contar-lhe o meu sonho. Mas antes que eu lhe dissesse algo, ele fitou-me com um
olhar muito parecido com o do Messias, e me deu uma ordem:
- Abraão, toma agora o jarro que você tanto ama e leve-o ao Mar Salgado,
onde lhe mostrarei uma caverna na qual você o esconderá.
Tomando uma machadinha e um manto de linho, o rei
acompanhou-me até a caverna que eu vira no sonho, onde assentei-me para
registrar estas últimas palavras. O rolo será agora lacrado, e será deixado no
silêncio da caverna, e permanecerá oculto até que seja aberto perante as
nações, no Último Jubileu.
Referências: (1) Gênesis 22: 1, 2; (2)Isaias 53; (3)Apocalipse 18: 2,4; (4)Isaias
61: 1; (5)
Levitico 25:10;
Daniel 9: 24,25; (6) Levítico 25:9; (7)Salmo 82: 1; (8) Isaias 52:7; (9) Isaias
61: 3;
(10) Levítico 25:
9; (11) Apoc. 13:7; (12) Apoc. 13:9; (13)Apoc. 13:9 – 12; (14)Apoc. 22: 11-15;
(15) Apoc. 16:
17-21; (16) S. Mateus 24: 29-31; (17)I Coríntios 15: 50-55; Apoc. 21 e 22.
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